quarta-feira, 21 de outubro de 2009

ÉTICA E RESPONSABILIDADE



Nas palavras do professor Franklin Leopoldo Silva (2007, p. 01.) “Dentre todas as preocupações que motivaram a reflexão desde os primórdios da cultura ocidental, é bem possível que a Ética tenha sido a primeira”.
Desde que o homem passou a viver em conjunto com outros homens, certas normas de comportamento tem sido necessárias para a relação entre estes sujeitos visando a diminuição de atritos dento do próprio grupo e o bem estar dos indivíduos dentro de suas respectivas comunidades.
Tais normas de comportamento motivaram então várias reflexões, das quais a ética é o principal elemento.
E está reflexão não cessou até hoje, pelo contrário, a cada dia que passa a ética, a responsabilidade e suas respectivas definições se tornam mais importantes e mais vitais ao processo de edificação e busca de uma sociedade menos injusta e mais igualitária socialmente.
Cabe ao presente trabalho um estudo sobre ética e responsabilidade e sua conseqüente inter-relação. Analisando o comportamento ético-moral e a autodeterminação do sujeito dentro da engrenagem social.
Tal análise terá como foco as opiniões da filósofa alemã, Hannah Arendt, Peter Singer e Charles Melman entre outros que nas últimas décadas proporcionaram a efervescência da polêmica do debate ético em vários campos da sociedade, com ênfase no campo político-econômico que irrefutavelmente acarreta grande impacto no aspecto social.
A referida análise objetiva, portanto definir e inter-relacionar os conceitos e definições a respeito do comportamento ético, principalmente focado nos dias hodiernos.



ÉTICA E RESPONSABILIDADE


O termo “ético” deriva do grego ethos, e tem interpretações distintas para sua origem, alguns autores atribuem o significado de propriedade do caráter, ou modo de ser de uma pessoa a esse radical grego, outros consideram que o ethos originalmente significa morada, derivando disso os sentidos de costume, modo ou estilo habitual de ser.
Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (Nogueira, 1989).
Podemos considerar a ética um conjunto de princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. Tais princípios surgem para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, ou pelo menos que se busque esse equilíbrio.
Para Aristóteles o objetivo de sua ética é a formação do caráter do cidadão para que se torne bom e disposto a engendrar ações nobres para a realização de um propósito: o bem comum, o bem geral do Estado (Villa, 1996).
O pensador Clotet (1986, p. 86-92) afirma que “A Ética tem por objetivo facilitar a realização das pessoas. Que o ser humano chegue a realizar-se a si mesmo como tal, isto é, como pessoa. (...) A Ética se ocupa e pretende a perfeição do ser humano”.
Já o australiano Peter Singer (2002), lembra que

“A Ética existe em todas as sociedades humanas, e, talvez, mesmo entre nossos parentes não-humanos mais próximos.
Nós abandonamos o pressuposto de que a Ética é unicamente humana.
A Ética pode ser um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo em particular (moralidade), ou é o estudo sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral).


O filósofo Tugendhat (1997, p. 35), apresenta uma visão mais pessimista ao dizer que “Realmente os termos “ética” e “moral” não são particularmente apropriados para nos orientarmos”.
Embora não coadunamos com tal idéia é importante lembrar que alguns autores consideram que a ética pode ser escalonada, ou pode variar de cultura para cultura, partindo deste pressuposto cada sociedade e cada grupo possui seus próprios códigos de ética. Sendo assim o comportamento ético seria variável de acordo com o país e principalmente a cultura de cada região.
Mas é em Hannah Arendt que a discussão sobre o que é ética toma contornos maiores e cores mais vivas.
A ética para a filósofa alemã parte de um pressuposto que é a ação, partindo deste pensamento, consideramos aqui a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de se vislumbrar o comportamento ético em ações totalmente omissivas, pois a ética tem de ser pautada na prática.
Nunca é demais lembrar que Nietzsche (1998) bem adverte que na modernidade a impotência tomou a roupagem pomposa de virtude.
Pode-se conceituar então a ética, neste primeiro momento, como um cuidado pelo mundo, tendo a virtude como sinônima. O modelo de comportamento, portanto tem bases homéricas onde uma vida virtuosa deve ser direcionada à comunidade. E essas Virtudes precisam ser executadas e vistas, lembrando que a virtuosidade está no desempenho e não no resultado final.
Em uma ética fundada na prática, o importante é que as motivações se tornem claras, uma vez que o agir significa responder pelo mundo.
Hannah Arendt não permite a distinção entre publicidade dos atos e a privacidade de nossas intenções.
Partindo, portanto da idéia de ética edificada na prática, a política também deve ser pautada na ação e principalmente deve ser destituída de moral. E essa desconsideração da moralidade na ação política, levou alguns estudiosos a considerar, erroneamente, a política de Arendt como estética.
Entre estes estudiosos, emblemática é a opinião de George Kateb (1999), que afirma que o elemento estético de Hannah Arendt chega suplantar qualquer caráter prático existente na ação.
No entanto, a ética de Arendt está indissociavelmente ligada à práxis e definitivamente a não instrumentabilidade de Arendt não significa não praticabilidade, pelo contrário para a filósofa Alemã não se pode ver a política apenas como meio para alcançar determinados fins.
Lembra ainda que a despolitização leva a falta de discernimento de critérios. Deixando claro uma ética de visibilidade no domínio público da ação e da política, destacando o papel de protagonista da reflexão e da crítica na determinação da prática.
Já o vernáculo “responsabilidade” tem sua origem no latim responsabilitas, de respondere que podemos traduzir como responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações.
A sociedade tal qual a conhecemos hoje é organizada numa hierarquia de autoridade, onde cada um é responsável perante uma autoridade superior.
Na concepção de Hannah Arendt, podemos vislumbrar três níveis de responsabilidade: A responsabilidade por escolher a si mesmo, a responsabilidade com relação ao outro e por fim a responsabilidade com relação à durabilidade do mundo. Tal divisão se destaca por ser de uma atualidade singular.
Portanto a condição participativa é requisito/pressuposto para a responsabilidade. Sendo assim a Responsabilidade, não é nada mais, que o modo de realização e concretização da conquista humana da liberdade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Muitos pensadores e leigos acreditam que a Ética, a Moral e a Responsabilidade determinam o ser. Nesta senda muitos cometem o erro crasso de conceber a Moral e a ética como mero e fastidioso catálogo de proibições.
Lembramos que o agir ético não pode se confundir com o agir moral. O agir moral é um conjunto de normas que são socialmente transmitidos pela tradição, portanto o comportamento moral poderia ser descrito como o agir dentro da norma social transmitida.
Já o agir ético é que vai nos oferecer, parâmetros para avaliação desses nossos comportamentos, hábitos e costumes. A ética se edifica como a possibilidade de reflexão sobre o comportamento humano de forma geral. Ou seja, a ética vai pensar sempre o agir e avaliar as ações morais.
Seguindo esta diferenciação cabe ressaltar que Arendt e Nietzsche parecem concordar que a epistemologia moral conduz a uma legião de sujeitos passivos e dóceis, que levam a uma sociedade que fatalmente abominará a ação.
Partindo do princípio que consideramos a ética pautada na prática, não se vislumbrando a ação, não caracterizamos o sujeito, e se este é apenas expectador em nenhum momento lhe é dado à condição de participar ativamente da engrenagem social, assim sendo, até que ponto pode-se considerar esse sujeito como uma existência realmente humana, até que ponto pode-se considerá-lo cidadão e principalmente indivíduo verdadeiramente responsável?
A resposta a tais indagações quedam-se negativas, uma vez que a responsabilidade tem de estar pautada na ética.
A ética e a responsabilidade devem funcionar como alicerces de toda e qualquer discussão sobre liberdade.
Portanto a Ética (guiada por valores coletivos) é, o conjunto de práticas virtuosas que são executadas (prática) de forma de se realizar o Bem em determinada sociedade. Ou seja, a Ética é uma preocupação com o mundo e não com o homem, sempre contra o processo de alienação do sujeito e do mundo.
Tendo então como fundamento o cuidado com a pluralidade humana constitutiva é neste aspecto que podemos ver claramente a intersecção entre a ética e a responsabilidade, uma vez que a ética é a responsabilidade com essa pluralidade humana, uma responsabilidade com os outros e com o mundo.


REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. Tradução de Rosaura Einchenberg. São Paulo: Companhia da Letras, 2004. 376p.

AREDNT, Hannah. Entre o passado e o futuro.Tradução de Mauro W. Barbosa de Almeida. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. 350p.

CLOTET, Joaquim. Una introducción al tema de la ética. Porto Alegre: Psico, 1986.

DUFOUR, Robert-Dany. A arte de reduzir as cabeças. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005. 214p.

KATEB, George (org.). Utopia. Transaction pub, 1999. 160p.

LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004. 213p.

LEOPOLDO SILVA, Franklin. Breve histórico da Ética. Disponível em: . Acesso em 20 ago. 2008.

MELMAN, Charles. O homem sem gravidade. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. 211p.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: Uma polêmica. Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 182p.

NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, Papirus, 1989.

SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 400p.

SINGER, Peter. Ethics. Oxford: OUP, 1994. 426p.

TUGENDHAT, Ernest. Lições sobre Ética. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. 432p.

VILLA, Dana. Arendt and Heidegger – The fate of the political. Princeton: Princeton University press. 1996.

O BRASIL E O COMPORTAMENTO ÉTICO




No Brasil não há uma cultura ou tradição de discussão democrática, não há uma mobilização em torno de idéias nem tampouco o trabalho de desenvolvimento de idéias e argumentos.
Ao ler Peter Singer e acompanhar um pouco de sua história nos países do norte onde perambulou e vociferou suas críticas e idéias, acompanhando também o trabalho de Hannah Arendt, ou até mesmo outros pensadores como Hebert Marcuse e toda a sua escola, nos deparamos como uma postura diferente da que vemos hodiernamente ao nosso redor.
Na Alemanha as aulas de Singer foram alvo de críticas e até mesmo proibidas com argumentos e até mesmo atitudes violentas.
Não coaduno com o teor das críticas à Singer, sempre voltadas as suas opiniões sobre o aborto e eutanásia, em uma tentativa de resumir sua obra à opinião sobre apenas esses dois temas.
Sou também totalmente contrário a violência que estas críticas foram feitas e o radicalismo de seus opositores, sempre irredutíveis ao diálogo inteligível e crítico.
Mas por lá pelo menos havia oposição, havia alguma coisa para preencher a abominável falta de ação, a não prática traduzida pela omissão.
No Brasil a exposição de qualquer idéia é recebida por algo bem mais violento... A indiferença.
Qualquer argumento jogado em meio à sociedade e até mesmo no ambiente acadêmico é aceito sem oposição, no entanto nenhum argumento goza de uma adesão consciente e uma aceitação crítica.
Vivemos em um ambiente, onde disciplinas como Sociologia, Filosofia, Criminologia são tratadas com chistes e consideradas como secundárias ou até mesmo supérfluas e este último adjetivo é o que mais preocupa.
Tais matérias, hoje, estão condenadas e fadadas a serem tratadas como mimos de uma estigmatizada classe que supõe-se terem tempo de se ocupar com aspectos destituídos de “prática”, pois o alienável interessa mais.
Uma sociedade galgada em um imediatismo lancinante e perturbador que juntamente com uma falta de ação crítica, leva mais longe de um progresso verdadeiro.
Um imediatismo que não traz o futuro para o presente, mas pelo contrário, perpetua o passado, suas idéias, valores e moral.
Às vezes coloco em dúvida as idéias de Hannah Arendt como sua teoria de Ação Política, talvez destituída de prática. Por outro lado não coaduno com Peter Singer sobre várias questões, assim como discordo de Marcuse Adorno, Marx, Popper em alguns pontos. Mas falta em nossa sociedade ambiente propício para estas discussões e exposições de idéias.
O comportamento Ético não pode existir sem bases sólidas no pensamento crítico, sendo este um dos sinônimos da palavra ação. Pois o comportamento omissivo não deixa florescer a Ética.
Sei que os fenômenos aqui abordados não são privilégios da América Latina, nem mesmo do Brasil, no entanto o que assusta é o tanto que por aqui este tema toma rumos tão caricatos.
O Brasil é um país de grande omissão, e de alienação crescente, principalmente no comportamento Sócio-Político, alimentadas pela mídia, e pela sociedade burguesa “globalizada”.
Estamos então, a cada dia, nos condenando ao distanciamento da realidade e conseqüentemente a anulação total de qualquer comportamento Ético. Representando assim uma falência do sentido e o vazio da utilização da ética na contemporaneidade.
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Obs.: Dufour bem esclarece que o sujeito crítico de Kant e o sujeito neurótico de Freud nos tinham fornecido ambos, a matriz do sujeito da modernidade. E adiantou que a morte desse sujeito já está programada pela grande mutação do capitalismo contemporâneo.
Talvez Dufour esteja mesmo certo.