terça-feira, 16 de abril de 2013

AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NA ÍNTEGRA

ENTREVISTA JORNAL DE UBERABA SEM CORTES




1.    O Brasil é o país da impunidade?

Primeiramente devemos pensar em impunidade de quem? Pois os presídios estão abarrotados de uma determinada parte da população. Pessoas muitas vezes presas por crimes sem violência, sem potencial lesivo, enquanto outras desviam milhões, se corrompem, sonegam impostos e nunca são incomodados pelo poder coercitivo. Portanto devemos pensar mais na seletividade do controle penal que atinge apenas uma parcela da população do que necessariamente em impunidade. Todos nós cometemos crimes em nossa vida, da mera compra de um cd pirata a crimes de trânsito, no entanto estamos soltos. Será mesmo que o Direito Penal funciona de maneira geral e democrática? Ou determinada parcela da população nunca será atingida pelo Direito Penal?

2. A maioria da população brasileira condena a segurança pública, Dr. como o Sr. avalia a segurança pública? Quais são os problemas mais graves?

Hoje nós vivenciamos uma crise sim na segurança pública, pois temos uma corrupção generalizada em todos os níveis da administração pública, o que prejudica pensarmos em qualquer política pública de segurança.
Caso o Brasil queira investir em segurança, deve acompanhar o fracasso e sucesso dos programas de outros países e assim criar medidas que sejam eficazes e interessantes. Pelo mundo tivemos exemplos que optaram pela prisionização máxima como o “tolerância zero” em Nova York (que aliás, em nada mudou o cenário de impunidade de classes abastadas). Temos também nos Estados Unidos o “Broken Windows” (ou teoria das janelas quebradas) que tratou de uma mudança estrutural na cidade, que ia além do policiamento coercitivo, mas abarcava iluminação de ruas e praças, higienização das vias públicas, policiamento comunitário. Em Bogotá tivemos uma política radical de corte no efetivo policial, assim como uma reestruturação social. No Brasil temos propostas interessantes também, como o “Fica Vivo” em Minas Gerais com policiamento comunitário, criação de oficinas e reinserção de egressos na comunidade por meio do CEAPA.
O problema mais grave é adequar todas essas idéias às peculiaridades de cada região, o que serve no Jequitinhonha não necessariamente servirá para Uberaba.
Devido a isso que confio particularmente em saídas que vivenciam o problema local como em Uberaba acredito muito no Conselho de Segurança da Comunidade, acredito que tal conselho deve ter papel mais atuante e que o poder público escute mais tais pessoas. Assim como o centro de prevenção da criminalidade, e a atuação do Fica Vivo em nosso município. CEAPA, mediação de conflitos e outros.


3. A impressão que dá é estamos em grande desvantagem. Porque o crime está fora de controle? Porque não conseguimos vencê-lo?

Hoje vivenciamos uma crise não só na segurança pública, mas em toda nossa sociedade. Temos uma corrupção congênita em todos os níveis sociais.
O crime está fora de controle? Concordo!
Mas quais crimes estão fora de controle? Será que não fazemos parte disso? Falar apenas da corrupção de nossos políticos é esquecer que praticamente todos nós praticamos atos atentatórios ao Direito. Vivemos em uma sociedade do “jeitinho”, do “levar vantagem em tudo”, do “com nota ou sem nota”, do “rouba mais faz”, de colas em provas, estacionar em local proibido, estacionar em rampas de acesso, dirigir embriagado, dirigir além do limite de velocidade, sonegação de impostos, evasão de divisas, compra de CDs piratas, musicas e vídeos na internet, de compra de produtos falsificados (relógios, óculos), de emissão de cheques sem provisão de fundos, pequenas corrupções de agentes públicos, pequenos estelionatos, de empregos e cargos públicos conquistados pela amizade e favores, etc. Em uma sociedade como essa eu também devo concordar que não estamos vencendo.
Não conseguimos vencer por causa justamente disso, pois somos exatamente parte do problema. Criticamos os políticos, mas votamos recorrentemente naqueles de maior poder aquisitivo e com mais processos de improbidade. Para mudarmos o panorama da criminalidade temos de mudar nossa cultura também, nosso próprio jeito, e parar de achar que o “inferno são sempre os outros”.


4. Os fatores: pobreza, má distribuição de renda, injustiça social, é um peso importante na gênese do fenômeno-crime?

Sim. Tais fatores são de crucial importância ao tratarmos de uma sociedade violenta. Em uma sociedade desigual é mais fácil vislumbramos a criminalidade violenta. O direito penal, focado em determinada e excluída parcela da sociedade contribui para a verticalização social e a perpetuação das diferenças sociais. O direito penal é seletivo e segregador e em nosso país podemos vislumbrar isso claramente, vendo a cada dia pessoas que detém o poder econômico passarem ao largo da justiça e serem beneficiados a todo o momento. A própria sociedade se mostra muito benevolente com criminosos de alto poder aquisitivo. Em contrapartida os criminosos pobres são execrados por todos.  Lembro que os fatores apontados nessa pergunta não são os únicos para se diagnosticar a violência e o comportamento criminoso. Dentro da criminologia tratamos o crime como um fenômeno multifatorial, e não podemos reduzir apenas às questões sociais. Ressalto que temos várias teorias para se explicar a criminalidade e o tema não pode se esgotar nessa resposta. Lembro que a psicanálise, por exemplo, desconstrói o fenômeno crime, sem, no entanto, desresponsabilizar o criminoso. Já a criminologia crítica nem chega a tratar do fenômeno crime, mas sim questiona as instituições de controle social. Enfim o que quero dizer é que temos muitos estudos sobre o fenômeno crime e não podemos nunca reduzi-lo a um ou outro fator.

5.    Há uma ideia generalizada de que as leis penais são benevolentes e frouxas. Trata-se de uma meia verdade?

Não é uma meia verdade, é uma mentira inteira! Falar em leis benevolentes é uma das maiores inverdades que vemos ser disseminadas, temos um sistema de leis que penaliza mais de 4 mil condutas ao todo!!! Em um sistema carcerário precário e falido. Devemos pensar que temos um sistema penal onde empregar irregularmente verbas públicas tem pena de 3 meses (art. 315 do CP) e o furto (subtração sem violência, art. 155 do CP) tem pena de 4 anos. As leis são benevolentes e frouxas para quem?

6. É incapacidade ou falta de vontade de criar os instrumentos para executar penas mais severas?

Não podemos falar em falta de vontade, pois o que mais temos são projetos de lei para aumentar pena, diminuir idade penal, criminalizar condutas e instituir pena de morte. O que falta são projetos de lei que tornem a sociedade mais igualitária e justa. Temos quase 600 mil presos, o que penas mais severas nos trariam? Apenas determinada parte da população vai presa, seria leviandade falar que leis mais severas beneficiariam nossa sociedade. Leis mais severas para quem? Pelas experiências pelo mundo, vemos que aumentar as penas (ou mesmo instituir a pena de morte), nunca trouxe a melhora na violência ou a melhora na sensação de segurança do cidadão. O direito penal atinge um homem pardo, com menos de 30 anos, solteiro e pobre. Penas mais severas só atingiriam essa classe. Muitos falam sobre os vários recursos que temos para a progressão penal e para que as penas sejam diminuídas. Mas o que não é noticiado é que parte da população carcerária ainda não foi julgada, outra parte já cumpriu a pena e continua presa e outros tantos devem aguardar mutirões da justiça para terem seus processos movimentados.


7. Aumentar o policiamento nas ruas, combater o tráfico de drogas, aumentar as penas pelos crimes cometidos, ampliar as políticas de combate à pobreza, seriam elementos para reduzir a violência criminal?

Não. Talvez seja totalmente o contrário. Aumentar policiamento não reduz a violência, mas inserir o policial na comunidade, dar condições dignas de trabalho, pagar bem para que não se sujeitem a corrupção, isso sim pode ajudar. Na Colômbia, por exemplo, tivemos uma desaceleração dos números dos crimes violentos a partir da década de 90 e uma das medidas para se diminuir tal violência foi cortar parte do efetivo policial, se investindo em qualidade dos serviços. Sobre as drogas lembro que é uma questão que deve ser tratada em outra esfera, é um problema de saúde pública. Devemos descriminalizar de uma maneira clara o uso de drogas e inserir esse usuário em nossa teia de serviços sociais. Ele não pode mais ficar excluído e a margem de nossos serviços. Este usuário deve ser abarcado com políticas de reinserção social e não com medidas coercitivas e violentas como estamos vendo. Afinal de contas duas das drogas mais nocivas são liberadas ao consumo (álcool e cigarro). A questão precisa ser repensada de maneira responsável e sem estereótipos ou estigmatizações. O combate a pobreza é um elemento que pode nos ajudar a caminhar para uma sociedade mais justa, mas todas as políticas contra a fome devem ser acompanhadas de outras políticas que dêem ao cidadão a chance de caminhar com suas próprias pernas. É importante e vital tirar as pessoas da miséria, mas não podemos nos contentar apenas com isso, temos que dar a estas pessoas as condições de buscarem sua vivência digna e autônoma, com educação e outros serviços básicos.

8. A busca e o resgate à cidadania da maior parcela da sociedade, através do respeito à dignidade da pessoa humana pode influenciar positivamente na segurança pública?

A dignidade humana, assim como os direitos e garantias fundamentais do cidadão são, definitivamente, o único caminho que temos para uma sociedade mais igualitária e menos violenta. Temos hoje 20 milhões de pessoas na miséria no Brasil, quando eu atuava no interior da Bahia, eu pude acompanhar uma realidade que nossa região nunca vivenciou tão claramente: a pobreza extrema, a fome, a seca e o total desamparo das autoridades. É muito fácil para nós falarmos em dignidade sem vivenciarmos estes problemas de perto. Em Uberaba, mesmo de uma forma menos intensa, temos várias pessoas em situações degradantes e nada fazemos. São pessoas invisíveis que encontramos nas calçadas, nos sinaleiros e acabamos por não enxergá-los. Os direitos da personalidade estão sendo usurpados, a todo o momento, de grande parte de nossa população. Na engrenagem capitalista que vivemos o individualismo sempre prevalece e só começamos a olhar o outro quando ele comete um ato violento ou quando ele invade meu espaço. É fácil criticarmos do sofá de casa, condenarmos pelo controle remoto e crucificarmos outras pessoas no ar condicionado de nossas salas e escritórios. Ações reais e afirmativas são poucas em uma sociedade que vive na ideologia do “vou fazer a minha parte e basta”. Não basta apenas fazer minha parte, tenho que mudar a realidade a minha volta, tenho que me politizar, tenho que polemizar, discutir, não aceitar essa realidade como ela é. Sair da omissão e assumir um papel de protagonismo social. Enquanto olharmos com passividade e aceitação pessoas em circunstância de miséria, pessoas nas ruas ou crianças nos sinaleiros nós seremos sempre cúmplices dessa situação. Por vezes é mais fácil dar moedas do que empregar, do que conversar, dar voz ao outro.



9. O sistema prisional oferece estrutura para os apenados e capacitação para os agentes de segurança? O  que pode ser feito?

Não existem as mínimas condições para uma reinserção de presos no Brasil. A ressocialização de presos é uma falácia e dentro da criminologia ela é criticada em sua ideologia. Os servidores também não podem ser exigidos, pois não têm condições ou salários ideais. Independente das concepções críticas, podemos afirmar que existem soluções que vão desde uma sociedade sem desequilíbrio econômico, sem miséria e pobreza ou uma maior eficácia social em nossa comunidade, até soluções mais práticas como o CEAPA em Minas Gerais, estimular as penas alternativas, diminuir penas no código penal, descriminalizar algumas condutas, rever a questão das drogas e aplicar o direito penal de maneira igual para todos na sociedade.

10. A superlotação ainda é um problema registrado dentro dos presídios?

Hoje estamos perto de 600 mil presos. Sendo que praticamente um terço deles ainda não foi devidamente julgado e condenado. As vagas são insuficientes para abarcar 2/3 destes presos. Ainda temos milhares de mandados de prisão em aberto, ou seja, se todos forem cumpridos a situação que já é caótica ficaria incontrolável. Somos o quarto país em número de presos no mundo. Nos últimos anos nossa comunidade carcerária simplesmente dobrou. Poderia dizer que vamos chegar a um colapso, mas acredito que o colapso já aconteceu há mais de uma década.

11. O Sr acha que o Funk desmoraliza as mulheres e estimula a criminalidade?

Será que também não desmoraliza os homens? Afinal vivemos em uma sociedade machista e toda conduta feminina é censurada. Será que o funk na verdade acaba por traduzir exatamente a visão machista de se ver a mulher? Não acredito que o funk como música desmoralize apenas mulheres, lembro que o escritor Frei Beto já afirmava, há dez anos, que estamos sofrendo um processo de erotização de nossas crianças pela mídia. Estamos hoje colhendo os frutos dessa erotização precoce, em uma sexualidade destituída de afeto e de carinho.
Sobre a criminalidade, o funk apenas externa o cenário que está a sua volta, de comunidades violentas, de omissão do Estado e formação de subculturas. Chegamos a uma premissa impossível: o funk estimula a criminalidade, ou a sociedade violenta estimula as letras do funk?

12. O Sr acredita que seria melhor e mais seguro cuidar da educação da criança para não ter que puni-los quando adultos?

A educação é a saída não apenas para a segurança, mas para a saúde, a economia, e principalmente para a nossa crise ético-política. Mas pergunto se é interessante trabalhar e investir em educação em nosso país. No Brasil hoje vivemos um situação no mínimo contraditória, onde uma criança no ensino fundamental custa em média aos cofres públicos de R$ 600,00 a 900,00 Reais, e um cidadão com restrição de liberdade chega a custar R$ 2.000,00 Reais. Temos dois problemas nestes dados que ora apresento: primeiramente existe uma clara inversão de ordem no direcionamento das verbas públicas, pois se investíssemos o dobro em educação fatalmente nossos custos cairiam no tocante a prisionização, em segundo lugar não podemos deixar de lembrar que apesar de termos pesquisas e estudos que comprovam estes valores, ao adentrar um presídio não conseguimos vislumbrar onde estão aplicados estes dois mil reais, tampouco em uma escola pública vemos estes novecentos reais. Algo definitivamente não bate em relação ao custo e o benefício destes valores declarados.

Agradecimentos: Sandro Neves.