segunda-feira, 21 de julho de 2014

O tratamento dos portadores de transtorno mental no Brasil - da legalização da exclusão à dignidade humana




Verifica-se que não há mais possibilidade em nossa estrutura legal, pautada no Estado Democrático de Direito e tendo como diretriz os princípios instituidores da igualdade e do respeito à dignidade da pessoa humana, de termos qualquer tipo de exclusão prévia de cidadãos.
A exclusão social dos portadores de transtorno mental fomenta e perpetua o dualismo segregacionista entre “normais” e “anormais”, limitando ou mesmo aniquilando a subjetividade e o individualismo daqueles cidadãos que não são produtivos ou não são homogêneos frente à sociedade estruturada no sistema neoliberal.
Essa legalização da exclusão, edificada durante séculos nas políticas públicas de saúde no tocante a minorias, perdeu espaço depois da reforma psiquiátrica e de outros movimentos como a luta antimanicomial.
Desde modo, a ascensão da dignidade humana, juntamente com o princípio da igualdade, preconizados pela Constituição de 1988, assumiram papel de destaque nas legislações nos últimos anos, na tentativa de equilibrar o cenário social pautado na exclusão de minorias e segregação do diferente.
Assim, com princípios pautados nos direitos e garantias fundamentais do cidadão, a Constituição Federal permitiu a quebra de paradigma na área de saúde mental, preconizando o sujeito em detrimento da segregação por sua enfermidade.
Tais medidas normativas, apontadas neste artigo, representam o primeiro passo na direção de uma sociedade mais igualitária, democrática e plural. Os movimentos de luta antimanicomial e de reforma psiquiátrica devem ser tratados como um mero início de uma árdua trajetória de desconstrução do já citado binômio “normal x anormal”, e do fim da opressão e segregação social das minorias, mais especificamente dos portadores de transtorno mental.
Nesta senda, não se pode olvidar que tais leis e tais movimentos não são perfeitos e são passíveis de críticas, como a que os acusam de se omitir frente à perpetuação das medidas de segurança, os manicômios judiciais, assim como o respaldo que a lei 10.216 de 2001 deu às internações compulsórias.
Portanto, sofremos de duas crises principais no cenário social que obstam a real inserção dos portadores de transtorno mental no seio da comunidade. A primeira delas é a crise de efetividade das normas, que também podemos chamar de crise eficácia, pois embora tenhamos modificado toda a teoria e toda a legislação referente ao tratamento e reinserção social dos portadores de transtorno mental, o que se vê no dia a dia é a perpetuação das práticas segregacionistas e estigmatizantes. Essa crise anômica, leva as letras da Constituição a não gozarem de aplicabilidade prática.
A segunda crise é a crise de responsabilidade, em uma sociedade que não se responsabiliza pelos doentes, velhos, crianças, jovens e portadores de transtorno mental, modificações legais não são suficientes para mudar a toda a engrenagem social vigente.
Assim deu-se o primeiro passo com a modificação da lei, possibilitou-se a instrumentalização da mudança. Contudo, não se pode esperar que tais alterações e tal quebra de paradigma, fique apenas nas letras frias da lei.
Os portadores de sofrimento mental não devem se igualar ou se subjugar aos considerados “normais”, mas sim a sociedade deve encontrar maneiras e instrumentos de conviver e respeitar as diferenças.
A igualdade social, a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a singularidade e o respeito à subjetividade de cada um só podem ser realmente efetivados quando forem respeitadas as diferenças, e para este respeito é impreterível que o Estado assuma de vez o papel de protagonista desta mudança, por meio de políticas públicas práticas, conscientização, sanções e diretrizes eficazes para reinserção das minorias.
A caminhada para a conquista da cidadania por toda a sociedade passa impreterivelmente pelo respeito à singularidade do portador de transtorno mental com a valorização de suas habilidades e a possibilidade de efetivar laços sociais.