O
tratamento dos portadores de transtorno mental no Brasil - da legalização da
exclusão à dignidade humana
Verifica-se que não há mais
possibilidade em nossa estrutura legal, pautada no Estado Democrático de
Direito e tendo como diretriz os princípios instituidores da igualdade e do
respeito à dignidade da pessoa humana, de termos qualquer tipo de exclusão
prévia de cidadãos.
A exclusão social dos portadores
de transtorno mental fomenta e perpetua o dualismo segregacionista entre
“normais” e “anormais”, limitando ou mesmo aniquilando a subjetividade e o
individualismo daqueles cidadãos que não são produtivos ou não são homogêneos
frente à sociedade estruturada no sistema neoliberal.
Essa legalização da exclusão,
edificada durante séculos nas políticas públicas de saúde no tocante a
minorias, perdeu espaço depois da reforma psiquiátrica e de outros movimentos
como a luta antimanicomial.
Desde modo, a ascensão da
dignidade humana, juntamente com o princípio da igualdade, preconizados pela
Constituição de 1988, assumiram papel de destaque nas legislações nos últimos
anos, na tentativa de equilibrar o cenário social pautado na exclusão de
minorias e segregação do diferente.
Assim, com princípios pautados
nos direitos e garantias fundamentais do cidadão, a Constituição Federal
permitiu a quebra de paradigma na área de saúde mental, preconizando o sujeito
em detrimento da segregação por sua enfermidade.
Tais medidas normativas,
apontadas neste artigo, representam o primeiro passo na direção de uma
sociedade mais igualitária, democrática e plural. Os movimentos de luta
antimanicomial e de reforma psiquiátrica devem ser tratados como um mero início
de uma árdua trajetória de desconstrução do já citado binômio “normal x
anormal”, e do fim da opressão e segregação social das minorias, mais
especificamente dos portadores de transtorno mental.
Nesta senda, não se pode olvidar
que tais leis e tais movimentos não são perfeitos e são passíveis de críticas,
como a que os acusam de se omitir frente à perpetuação das medidas de
segurança, os manicômios judiciais, assim como o respaldo que a lei 10.216 de
2001 deu às internações compulsórias.
Portanto, sofremos de duas crises
principais no cenário social que obstam a real inserção dos portadores de
transtorno mental no seio da comunidade. A primeira delas é a crise de
efetividade das normas, que também podemos chamar de crise eficácia, pois
embora tenhamos modificado toda a teoria e toda a legislação referente ao
tratamento e reinserção social dos portadores de transtorno mental, o que se vê
no dia a dia é a perpetuação das práticas segregacionistas e estigmatizantes.
Essa crise anômica, leva as letras da Constituição a não gozarem de
aplicabilidade prática.
A segunda crise é a crise de
responsabilidade, em uma sociedade que não se responsabiliza pelos doentes,
velhos, crianças, jovens e portadores de transtorno mental, modificações legais
não são suficientes para mudar a toda a engrenagem social vigente.
Assim deu-se o primeiro passo com
a modificação da lei, possibilitou-se a instrumentalização da mudança. Contudo,
não se pode esperar que tais alterações e tal quebra de paradigma, fique apenas
nas letras frias da lei.
Os portadores de sofrimento
mental não devem se igualar ou se subjugar aos considerados “normais”, mas sim a
sociedade deve encontrar maneiras e instrumentos de conviver e respeitar as
diferenças.
A igualdade social, a dignidade
da pessoa humana, a cidadania, a singularidade e o respeito à subjetividade de
cada um só podem ser realmente efetivados quando forem respeitadas as
diferenças, e para este respeito é impreterível que o Estado assuma de vez o
papel de protagonista desta mudança, por meio de políticas públicas práticas,
conscientização, sanções e diretrizes eficazes para reinserção das minorias.
A caminhada para a conquista da
cidadania por toda a sociedade passa impreterivelmente pelo respeito à
singularidade do portador de transtorno mental com a valorização de suas
habilidades e a possibilidade de efetivar laços sociais.