quarta-feira, 21 de outubro de 2009

ÉTICA E RESPONSABILIDADE



Nas palavras do professor Franklin Leopoldo Silva (2007, p. 01.) “Dentre todas as preocupações que motivaram a reflexão desde os primórdios da cultura ocidental, é bem possível que a Ética tenha sido a primeira”.
Desde que o homem passou a viver em conjunto com outros homens, certas normas de comportamento tem sido necessárias para a relação entre estes sujeitos visando a diminuição de atritos dento do próprio grupo e o bem estar dos indivíduos dentro de suas respectivas comunidades.
Tais normas de comportamento motivaram então várias reflexões, das quais a ética é o principal elemento.
E está reflexão não cessou até hoje, pelo contrário, a cada dia que passa a ética, a responsabilidade e suas respectivas definições se tornam mais importantes e mais vitais ao processo de edificação e busca de uma sociedade menos injusta e mais igualitária socialmente.
Cabe ao presente trabalho um estudo sobre ética e responsabilidade e sua conseqüente inter-relação. Analisando o comportamento ético-moral e a autodeterminação do sujeito dentro da engrenagem social.
Tal análise terá como foco as opiniões da filósofa alemã, Hannah Arendt, Peter Singer e Charles Melman entre outros que nas últimas décadas proporcionaram a efervescência da polêmica do debate ético em vários campos da sociedade, com ênfase no campo político-econômico que irrefutavelmente acarreta grande impacto no aspecto social.
A referida análise objetiva, portanto definir e inter-relacionar os conceitos e definições a respeito do comportamento ético, principalmente focado nos dias hodiernos.



ÉTICA E RESPONSABILIDADE


O termo “ético” deriva do grego ethos, e tem interpretações distintas para sua origem, alguns autores atribuem o significado de propriedade do caráter, ou modo de ser de uma pessoa a esse radical grego, outros consideram que o ethos originalmente significa morada, derivando disso os sentidos de costume, modo ou estilo habitual de ser.
Assim, o espaço do ethos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. (Nogueira, 1989).
Podemos considerar a ética um conjunto de princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. Tais princípios surgem para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, ou pelo menos que se busque esse equilíbrio.
Para Aristóteles o objetivo de sua ética é a formação do caráter do cidadão para que se torne bom e disposto a engendrar ações nobres para a realização de um propósito: o bem comum, o bem geral do Estado (Villa, 1996).
O pensador Clotet (1986, p. 86-92) afirma que “A Ética tem por objetivo facilitar a realização das pessoas. Que o ser humano chegue a realizar-se a si mesmo como tal, isto é, como pessoa. (...) A Ética se ocupa e pretende a perfeição do ser humano”.
Já o australiano Peter Singer (2002), lembra que

“A Ética existe em todas as sociedades humanas, e, talvez, mesmo entre nossos parentes não-humanos mais próximos.
Nós abandonamos o pressuposto de que a Ética é unicamente humana.
A Ética pode ser um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo em particular (moralidade), ou é o estudo sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral).


O filósofo Tugendhat (1997, p. 35), apresenta uma visão mais pessimista ao dizer que “Realmente os termos “ética” e “moral” não são particularmente apropriados para nos orientarmos”.
Embora não coadunamos com tal idéia é importante lembrar que alguns autores consideram que a ética pode ser escalonada, ou pode variar de cultura para cultura, partindo deste pressuposto cada sociedade e cada grupo possui seus próprios códigos de ética. Sendo assim o comportamento ético seria variável de acordo com o país e principalmente a cultura de cada região.
Mas é em Hannah Arendt que a discussão sobre o que é ética toma contornos maiores e cores mais vivas.
A ética para a filósofa alemã parte de um pressuposto que é a ação, partindo deste pensamento, consideramos aqui a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de se vislumbrar o comportamento ético em ações totalmente omissivas, pois a ética tem de ser pautada na prática.
Nunca é demais lembrar que Nietzsche (1998) bem adverte que na modernidade a impotência tomou a roupagem pomposa de virtude.
Pode-se conceituar então a ética, neste primeiro momento, como um cuidado pelo mundo, tendo a virtude como sinônima. O modelo de comportamento, portanto tem bases homéricas onde uma vida virtuosa deve ser direcionada à comunidade. E essas Virtudes precisam ser executadas e vistas, lembrando que a virtuosidade está no desempenho e não no resultado final.
Em uma ética fundada na prática, o importante é que as motivações se tornem claras, uma vez que o agir significa responder pelo mundo.
Hannah Arendt não permite a distinção entre publicidade dos atos e a privacidade de nossas intenções.
Partindo, portanto da idéia de ética edificada na prática, a política também deve ser pautada na ação e principalmente deve ser destituída de moral. E essa desconsideração da moralidade na ação política, levou alguns estudiosos a considerar, erroneamente, a política de Arendt como estética.
Entre estes estudiosos, emblemática é a opinião de George Kateb (1999), que afirma que o elemento estético de Hannah Arendt chega suplantar qualquer caráter prático existente na ação.
No entanto, a ética de Arendt está indissociavelmente ligada à práxis e definitivamente a não instrumentabilidade de Arendt não significa não praticabilidade, pelo contrário para a filósofa Alemã não se pode ver a política apenas como meio para alcançar determinados fins.
Lembra ainda que a despolitização leva a falta de discernimento de critérios. Deixando claro uma ética de visibilidade no domínio público da ação e da política, destacando o papel de protagonista da reflexão e da crítica na determinação da prática.
Já o vernáculo “responsabilidade” tem sua origem no latim responsabilitas, de respondere que podemos traduzir como responder, estar em condições de responder pelos atos praticados, de justificar as razões das próprias ações.
A sociedade tal qual a conhecemos hoje é organizada numa hierarquia de autoridade, onde cada um é responsável perante uma autoridade superior.
Na concepção de Hannah Arendt, podemos vislumbrar três níveis de responsabilidade: A responsabilidade por escolher a si mesmo, a responsabilidade com relação ao outro e por fim a responsabilidade com relação à durabilidade do mundo. Tal divisão se destaca por ser de uma atualidade singular.
Portanto a condição participativa é requisito/pressuposto para a responsabilidade. Sendo assim a Responsabilidade, não é nada mais, que o modo de realização e concretização da conquista humana da liberdade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Muitos pensadores e leigos acreditam que a Ética, a Moral e a Responsabilidade determinam o ser. Nesta senda muitos cometem o erro crasso de conceber a Moral e a ética como mero e fastidioso catálogo de proibições.
Lembramos que o agir ético não pode se confundir com o agir moral. O agir moral é um conjunto de normas que são socialmente transmitidos pela tradição, portanto o comportamento moral poderia ser descrito como o agir dentro da norma social transmitida.
Já o agir ético é que vai nos oferecer, parâmetros para avaliação desses nossos comportamentos, hábitos e costumes. A ética se edifica como a possibilidade de reflexão sobre o comportamento humano de forma geral. Ou seja, a ética vai pensar sempre o agir e avaliar as ações morais.
Seguindo esta diferenciação cabe ressaltar que Arendt e Nietzsche parecem concordar que a epistemologia moral conduz a uma legião de sujeitos passivos e dóceis, que levam a uma sociedade que fatalmente abominará a ação.
Partindo do princípio que consideramos a ética pautada na prática, não se vislumbrando a ação, não caracterizamos o sujeito, e se este é apenas expectador em nenhum momento lhe é dado à condição de participar ativamente da engrenagem social, assim sendo, até que ponto pode-se considerar esse sujeito como uma existência realmente humana, até que ponto pode-se considerá-lo cidadão e principalmente indivíduo verdadeiramente responsável?
A resposta a tais indagações quedam-se negativas, uma vez que a responsabilidade tem de estar pautada na ética.
A ética e a responsabilidade devem funcionar como alicerces de toda e qualquer discussão sobre liberdade.
Portanto a Ética (guiada por valores coletivos) é, o conjunto de práticas virtuosas que são executadas (prática) de forma de se realizar o Bem em determinada sociedade. Ou seja, a Ética é uma preocupação com o mundo e não com o homem, sempre contra o processo de alienação do sujeito e do mundo.
Tendo então como fundamento o cuidado com a pluralidade humana constitutiva é neste aspecto que podemos ver claramente a intersecção entre a ética e a responsabilidade, uma vez que a ética é a responsabilidade com essa pluralidade humana, uma responsabilidade com os outros e com o mundo.


REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. Tradução de Rosaura Einchenberg. São Paulo: Companhia da Letras, 2004. 376p.

AREDNT, Hannah. Entre o passado e o futuro.Tradução de Mauro W. Barbosa de Almeida. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. 350p.

CLOTET, Joaquim. Una introducción al tema de la ética. Porto Alegre: Psico, 1986.

DUFOUR, Robert-Dany. A arte de reduzir as cabeças. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005. 214p.

KATEB, George (org.). Utopia. Transaction pub, 1999. 160p.

LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004. 213p.

LEOPOLDO SILVA, Franklin. Breve histórico da Ética. Disponível em: . Acesso em 20 ago. 2008.

MELMAN, Charles. O homem sem gravidade. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. 211p.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: Uma polêmica. Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 182p.

NOGUEIRA, J. C. Ética e Responsabilidade Pessoal. In MORAIS, R. de. Filosofia, Educação e Sociedade (Ensaios Filosóficos). Campinas, Papirus, 1989.

SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 400p.

SINGER, Peter. Ethics. Oxford: OUP, 1994. 426p.

TUGENDHAT, Ernest. Lições sobre Ética. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. 432p.

VILLA, Dana. Arendt and Heidegger – The fate of the political. Princeton: Princeton University press. 1996.

O BRASIL E O COMPORTAMENTO ÉTICO




No Brasil não há uma cultura ou tradição de discussão democrática, não há uma mobilização em torno de idéias nem tampouco o trabalho de desenvolvimento de idéias e argumentos.
Ao ler Peter Singer e acompanhar um pouco de sua história nos países do norte onde perambulou e vociferou suas críticas e idéias, acompanhando também o trabalho de Hannah Arendt, ou até mesmo outros pensadores como Hebert Marcuse e toda a sua escola, nos deparamos como uma postura diferente da que vemos hodiernamente ao nosso redor.
Na Alemanha as aulas de Singer foram alvo de críticas e até mesmo proibidas com argumentos e até mesmo atitudes violentas.
Não coaduno com o teor das críticas à Singer, sempre voltadas as suas opiniões sobre o aborto e eutanásia, em uma tentativa de resumir sua obra à opinião sobre apenas esses dois temas.
Sou também totalmente contrário a violência que estas críticas foram feitas e o radicalismo de seus opositores, sempre irredutíveis ao diálogo inteligível e crítico.
Mas por lá pelo menos havia oposição, havia alguma coisa para preencher a abominável falta de ação, a não prática traduzida pela omissão.
No Brasil a exposição de qualquer idéia é recebida por algo bem mais violento... A indiferença.
Qualquer argumento jogado em meio à sociedade e até mesmo no ambiente acadêmico é aceito sem oposição, no entanto nenhum argumento goza de uma adesão consciente e uma aceitação crítica.
Vivemos em um ambiente, onde disciplinas como Sociologia, Filosofia, Criminologia são tratadas com chistes e consideradas como secundárias ou até mesmo supérfluas e este último adjetivo é o que mais preocupa.
Tais matérias, hoje, estão condenadas e fadadas a serem tratadas como mimos de uma estigmatizada classe que supõe-se terem tempo de se ocupar com aspectos destituídos de “prática”, pois o alienável interessa mais.
Uma sociedade galgada em um imediatismo lancinante e perturbador que juntamente com uma falta de ação crítica, leva mais longe de um progresso verdadeiro.
Um imediatismo que não traz o futuro para o presente, mas pelo contrário, perpetua o passado, suas idéias, valores e moral.
Às vezes coloco em dúvida as idéias de Hannah Arendt como sua teoria de Ação Política, talvez destituída de prática. Por outro lado não coaduno com Peter Singer sobre várias questões, assim como discordo de Marcuse Adorno, Marx, Popper em alguns pontos. Mas falta em nossa sociedade ambiente propício para estas discussões e exposições de idéias.
O comportamento Ético não pode existir sem bases sólidas no pensamento crítico, sendo este um dos sinônimos da palavra ação. Pois o comportamento omissivo não deixa florescer a Ética.
Sei que os fenômenos aqui abordados não são privilégios da América Latina, nem mesmo do Brasil, no entanto o que assusta é o tanto que por aqui este tema toma rumos tão caricatos.
O Brasil é um país de grande omissão, e de alienação crescente, principalmente no comportamento Sócio-Político, alimentadas pela mídia, e pela sociedade burguesa “globalizada”.
Estamos então, a cada dia, nos condenando ao distanciamento da realidade e conseqüentemente a anulação total de qualquer comportamento Ético. Representando assim uma falência do sentido e o vazio da utilização da ética na contemporaneidade.
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Obs.: Dufour bem esclarece que o sujeito crítico de Kant e o sujeito neurótico de Freud nos tinham fornecido ambos, a matriz do sujeito da modernidade. E adiantou que a morte desse sujeito já está programada pela grande mutação do capitalismo contemporâneo.
Talvez Dufour esteja mesmo certo.

sábado, 13 de junho de 2009

POR QUE A CRIMINOLOGIA EXPLICA?








RESUMO

A criminologia é considera uma ciência nova, empírica e bastante controversa, ela tem como objeto o estudo do crime, delinqüência, suas manifestações, causas e consequências, mas no afã de responder todas as indagações e procurar motivos para a criminalidade resta a pergunta simples, porém crucial de por que a criminologia explica? Qual o motivo impulsionador de suas respostas e definições? Este artigo discute estas indagações, vislumbrando além da criminologia a ideologia que a move essa ciência.


1 INTRODUÇÃO

Por que a criminologia explica? Pode parecer uma pergunta quimérica e até mesmo falaz, mas merece cada vez mais ser respondida e principalmente refletida. En passant essa inquirição pode se mostrar despretensiosa, mas não o é. Tal indagação induz a dezenas e variadas respostas, tanto críticas como conceptivas.
Em se tratando de uma resposta baseada no conhecimento da criminologia e sua história, outra não poderia ser a resposta senão de um ponto de vista questionador e principalmente deflagrador, que ponha em cheque, várias das ideologias ligadas aos estudos dos fenômenos da criminalidade.
Para respondermos essa questão, imperioso se faz relembrarmos que a criminologia tem o seu gene ligado ao iluminismo, a revolução burguesa e a concretização moderna da eterna dicotomia pobre versus ricos, entendida aqui como dominados subjugados aos dominantes.
A solidificação do capitalismo, a ascensão da burguesia e a exponenciação da ideologia de lucro e propriedade exigiam sistemas e teorias que garantissem e justificassem as disparidades, exigiam uma explicação que também aplacasse os ânimos.



2 O CONTRATO E O ACALANTO BURGUÊS

Daí vieram os clássicos...
Focando no “Contrato Social”, edificaram a idílica definição de criminoso como aquele sujeito que rompeu com o contrato social. Mas que contrato é esse? Poderia perguntar os premidos camponeses, sem saber que a partir daquele momento seriam cobrados por um contrato edificado à sua revelia e com vistas a esbulhá-los ainda mais.
Não nos olvidemos que muitos dos pensadores atuais atribuem sentido diverso a esse contrato, até mesmo reduzindo a sua importância no âmbito criminológico, mas cabe-nos neste artigo levantar as indagações e impingir a controvérsia. Sendo que ao menos um ponto parece pacífico: a ficção criada por Rousseau (2004) não comporta a todos.
Os clássicos vieram e se instalaram, mas...
Entretanto com o passar de um século os anseios mudaram, ou melhor, se multiplicaram. O capitalismo se difundiu, alastrou-se por completo, a revolução industrial enriqueceu a nova burguesia e trouxe ainda mais poder às classes significantes.
Tal “progresso” trouxe como efeito colateral: a invasão das cidades pela perigosa, mas necessária, massa de proletariados (sim.. neste período eles ainda existiam). Trabalhadores que tinham apenas um direito, o de trabalhar incessantemente para o enriquecimento de seu empregador. No entanto tal peça, totalmente substituível, mas indispensável para a engrenagem industrial, poderiam se rebelar.
A estratificação social, que já era grande, se tornou imensurável, e isso poderia impulsionar a revolta dessas peças “substituíveis” frente à classe burguesa. Como se não bastasse os intelectuais e burgueses viam a situação catastrófica da massa proletariada como uma situação inquietante.
Era necessário, portanto, outra explicação, uma resposta ainda mais justificante que respondesse não só a questão social como também acalentasse os burgueses e abonasse o fosso social
Em meio a esse turbilhão de acontecimentos e mudanças cria-se mais uma ficção o Positivismo, nascido nos seios da Escola Italiana. Tal Escola não teve como mérito ser inovadora, pelo contrário, foi à síntese de várias idéias que permeavam o ideário europeu há séculos.
As pré-históricas definições fisionomistas de Della Porta (1535 - 1615); Gaspar Lavater (1741 – 1801) que defendia o julgamento pela aparência do condenado; Marques de Moscardi e o édito de Valério, “ na dúvida pune-se o mais feio”, somados a cranioscopia de Fran Gall (1758 - 1828), a frenologia de Spurzheim (1776-1832) conjugando aos ensinamentos de Morel (1809 - 1873) deram o ambiente propício e os argumentos necessários para Cesare Lombroso (1835 - 1909) edificar a teoria que a classe dominante esperava da criminologia, a teoria do homem delinqüente.
Tal teoria foi menos criada, e mais sistematizada, por Lombroso, com seu livro “O homem delinquente” finalizado em 1874 e lançado em 1876.
Para o regozijo dos corações burgueses, estava então explicada, de uma vez por todas (pelo menos até então), a razão da seletividade do Direito Penal. Era genético (!!!!!). Portanto não era culpa do sistema capitalista, nem dos modos de produção e distribuição da sociedade.
Amparadas nesta “reconfortante” idéia, tomava formas ainda mais delineadas a Ideologia da Defesa Social (ou do fim), uma sistematização que respondia de maneira clara e incontroversa (lógico que para classe dominante somente) as razões do sistema penal e os motivos do desvio.
A classe dominante não precisava mais se preocupar, não havia relação do sistema capitalista, a estratificação social, as condições subumanas dos proletariados com o comportamento desviante, tudo estava correto, e caso alguma coisa não se adaptasse era “genético”, regenerecência apenas.
Os revoltosos eram há esse tempo degenerados, a criminologia assim edificava e pasmem (!!!!) a criminologia até provava (!!), por meio de crânios, fossetas occipitais, atavismo e outros caracteres típicos.
Seguindo as esteiras de Carvalho (2008) podemos aferir que as décadas se seguiram, e o juízo comum absorveu o discurso ideológico de defesa, e com isso a alteridade que já não contava com força e energia começou um processo gradativo de perda e negação.
A criminologia, portanto, respondia de forma direta e voraz para criminalizar o diferente, o “inferior”, amparada pelos cidadãos abastados que não admitiam (e não admitem) a temporalidade e alteridade do outro. Desconsiderava-se então o indivíduo em prol da universalidade, todos iguais, mas dentro das suas desigualdades.
Lembrando que a criminologia não só elucidava como se travestia de ferramenta para o equilíbrio Social, M. Angelo Vaccaro (2004) chega a focar seus estudos na seara criminológica na origem das leis que protegem os fracos (!!!!!!).
As explicações da criminologia continuavam. A Defesa Social agora posta, passou por décadas de (in) evolução, discussões e aprimoramentos.
Houve a escola de Chicago e sua teoria ecológica, o crime talvez não fosse um defeito genético, mas estaria ligado ao nicho, ao “lócus” criminalizar. Ou seja, o meio era ocasionador, o determinismo continuava embora com indumentárias sociais.
Vieram também as hipóteses sociológicas, onde baseados em Durkheim a criminologia continuava a explicar e os motivos e sistema de idéias eram praticamente os mesmos.
Variações existiram, mas não por coincidência, tais teorias foram reconhecidas e batizadas nas palavras de Shecaira (2004) como “teorias do consenso” e não estaríamos equivocados em entender “consenso”, até mesmo como conivência, como conveniente.
Até então a Ideologia da Defesa Social estava como o Ciclope Polifemo, vencido por Odisseu, ou seja, um monstro com uma fome voraz, insaciável e cego. Contudo em 1940, Sutherland revendo a sua própria teoria de 1929, planta uma indagação que reverbera até os dias hodiernos.
A teoria do “White Collar”, ou colarinho Branco de Sutherland basicamente questionava como as teorias pretéritas lidavam com os crimes cometidos pelas pessoas abastadas. Como explicação insurgia com a Teoria da Associação Diferencial, um avanço em relação às teorias vigentes, no entanto ainda muito distante de uma contraposição da Defesa social,
Nesta esteira teorias como subcultura, anomia, entre outras, trabalharam em terreno similar, mas sempre partindo do princípio (ou poderíamos dizer: falácia) da sociedade tendo por finalidade o funcionamento perfeito das instituições e todos os cidadãos compartilhando interesses comuns.
A criminologia, deste modo, cada vez mais explicava para justificar o quadro de dominação existente. Assim sendo por quase dois séculos a Ideologia da Defesa Social, não só solidificou-se, mas se entranhou nas vísceras da sociedade. A criminologia servia ao seu papel, qual seja: o papel de abonadora e validadora da engrenagem tal como ela se encontrava e ainda se encontra.


3 IDÉIAS INCONVENIENTES

Porém algumas vozes inconvenientes se levantaram para afirmar que a criminologia não poderia explicar nada baseada em um consenso imaginário e fictício. Tendo como pontapé inicial o Interacionismo Simbólico (Labelling Approach) a própria criminologia é questionada, e é estabelecido (ou lembrado) que a sociedade é fundada na força e na coesão, a dominação de muitos sobre poucos.
Tomando emprestado uma definição de Salo de Carvalho (2008), a criminologia sofre então a primeira de várias “feridas narcisísticas”. Percebe-se que a ciência criminal se funda em conceitos pré-determinados (como uma sociedade estruturada e cooperação mútua) inexistentes e não factíveis.
Muda-se o foco, não mais o crime e o criminoso como satisfazia a classe dominante, mas agora o sistema penal como um todo, que de baluarte e aliado incontestável dos detentores dos meios de produção, começa a ser visto como sistema seletivo e cruel.
A doutrina Criminal parece então, querer se livrar da Eleuterofobia que se encontrava afundada, desde seus primórdios e arrisca os primeiros e incertos passos.
Ao invés de degenerescência, a estigmatização, ao invés da prisão ressocializadora, a prisão como sistema eficaz de controle da velha massa proletariada (hoje precariada).
A partir deste fermento de ruptura vieram os críticos, radicais e os abolicionistas, a escola de Bolonha (Baratta, Bricola, Pavarini entre outros) bradando pelo fim das desigualdades, eliminação da exploração econômica e da opressão de classe. Concretizando que o delito é um fenômeno dependente do modo de produção capitalista e exigindo o fim do Direito Penal.
A criminologia se encontrou desfigurada, ferida em seu narcisismo, mas os motivos que a impeliam a explicar o delito (a proteção dos interesses de uma classe, a massificação do medo) continuavam a existir e a clamar por uma resposta a altura.
E as respostas não tardariam a vir. Nas últimas décadas as teorias de Defesa se fortaleceram e voltaram travestidas das mais diversas formas, mas com a mesma voracidade ciclopeana de sempre.
Utilizando-se da proliferação do sentimento de medo e a democratização do terror e do pânico, a indigitada teoria lançou mão de doutrinas tais como: A “tolerância zero” e “janelas quebradas” entre outras e a punibilidade máxima em respostas ao absurdo (para a classe dominante é claro) do Direito Penal Mínimo.
E como arcabouço e garantia da perpetuação do ideário dominante Jackobs lança o seu Direito Penal do Inimigo, tão aplaudido no meio intelectual e inafastadamente absorvido pela jurisprudência de quase todos os países.


CONCLUSÕES (se assim podemos chamar)

Mas por que a criminologia explica? Ela explica por que é imprescindível justificar, por que os detentores dos meios de produção e arrendatários também do Direito Penal necessitam de respostas que abonem e garantam as suas riquezas, suas propriedades e regalias. E principalmente que perpetuem a classe de desprivilegiados em seu papel coadjuvante, desapropriada de todo tipo de benesse.
Portanto a criminologia da repressão (Cirino, 2008 ) não só explica como afiancia, por todos estes motivos ora apresentados. No entanto não seria quimérico lembrar que nos resta a velha (???) criminologia da libertação (Cirino, 2008 ), esta sim, tenta explicar na tentativa de edificação de um mundo mais igualitário e democrático. Uma utopia orientadora, mas que tenho a esperança que se torne uma realidade reformuladora.

REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 254p.

BECCARIA, Cesare de. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Torrieri Guimarães. 11. ed. São Paulo: Hemus, 1995. 126p.

CARVALHO, Salo. Anti-Manual de Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. 228p.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia radical. 3 ed. Curitiba: Lumen Juris,2008. 137p.

LOMBROSO, César. O Homem Delinqüente. Tradução de Maristela Bleggi Tomasini. Porto Alegre: Ed. Ricardo Lenz, 2001.556p.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, 2004. p.236.


SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. RT. São Paulo, 2004. 384p.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009


Curso " A história do pensamento criminológico"
Caros Senhores,

Venho informar que já estão abertas as inscrições para o curso de extensão " A história do pensamento criminológico" o qual eu tenho o prazer de coordenar.

Aguardo a inscrição e a respectiva matrícula de todos que se interessarem pelo tema, e pensam não só o Direito, como também todas as ciências sociais aplicadas de uma maneira transdisciplinar.
Justificativa:
Apesar da importância incalculável para “o pensar”, não só do Direito Penal, como também do cidadão para a sua participação responsável na sociedade, o componente curricular CRIMINOLOGIA, nem sempre compõe a organização curricular dos cursos de direito ou ciências sociais no Brasil.
A abordagem da criminologia e da política criminal no ambiente universitário se justifica na medida em que tais conteúdos atendem as exigências do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, que por meio da Resolução Nº 05, de 19 de julho de 1999, em seu art. 6º, do, recomenda a integração aos currículos das Faculdades de Direito, como disciplinas obrigatórias, a Criminologia e o Direito Penitenciário ou Direito de Execução Penal. Tal recomendação, visa assegurar que ao profissional ou principalmente ao acadêmico, uma formação crítica com ênfase nos estudos criminológicos em seus mais diversos enfoques (sociológico, jurídico, antropológico, psicológico).
É grande a influência das teorias criminológicas nos movimentos de política criminal e nas modernas teorias penais, já que oportuniza, além da discutir de maneira crítica e responsável, a produção social da delinqüência, também analisa a situação da segurança pública, do sistema judicial e da criminalidade urbana na sociedade brasileira.
Nesse sentido, a proposta do curso de Extensão sobre A História do Pensamento Criminológico visa ampliar os conhecimentos, mas também fortalecer a formação dos acadêmicos da UNIUBE na perspectiva do pensamento criminológico fundamentado nas resoluções do Ministério da Justiça e críticos do Direito Penal e da Política Criminal.
Objetivos Gerais:

Compreender a trajetória histórica do pensamento criminológico e sua evolução nos últimos séculos, por meio das principais teorias e autores, como mecanismos que interferem na realidade ética e sócio-jurídica do cenário atual.

Objetivos Específicos:

· Analisar a criminologia como componente interdisciplinar necessário à uma análise crítica em toda e qualquer abordagem político-criminal e da segurança pública.
· Oportunizar aos acadêmicos de Direito enquanto agentes jurídicos em preparação, uma atuação consistente na aplicação do Direito, enquanto ciência detentora de responsabilidades no controle social normativo.
· Favorecer a compreensão da criminalidade e do controle penal efetivo em suas várias dimensões, numa visão crítica das ciências criminais em seus diversos ramos (dogmática penal, criminologia, política criminal) .
· Refletir para as questões relacionadas ao abolicionismo penal despertando para a necessidade de uma revisão nas atuais políticas e pensamentos criminológicos.

Conteúdo programático:

1. Introdução à Criminologia – 4 horas aula.
1.1. Definição – Conceito, Objeto e método;
1.2. Nascimento da criminologia, estudos precursores e Perspectiva histórica do saber criminológico.

2. História do pensamento criminologia – 8 horas aula.
2.1. A Escola Clássica, o iluminismo e a racionalidade;
2.2. A Escola Positiva, o positivismo criminológico e o método indutivo-experimental.

3. As Teorias Sociológicas sobre o crime e o controle penal - 8 horas aula.
3.1. Escola de Chicago;
3.2. Estrutural-Funcionalismo;
3.2.1. Teoria da associação diferencial
3.2.2. Teoria da anomia
3.3. Teoria das Subculturas Delinqüentes;

4. Teorias do Conflito - Marxismo e Individualismo Metodológico – 3 horas aula.
4.1. Interacionismo Simbólico
4.1.1 Teoria do Etiquetamento (Labelling Approach).

5. As novas alternativas -1 hora aula.
5.1. As teorias psicanalíticas da criminalidade e a transdisciplinariedade na criminologia.

6. O pensamento criminológico contemporâneo - 4 horas aula.
6.1. A Criminologia Crítica - conteúdo, principais autores, influência nos modelos de política criminal.
6.2. Abolicionismo Penal como concepção anárquica e importante quebra de paradigma.
6.3. O Pós-Modernismo Criminológico.

7. Os efeitos do pensamento criminológico crítico na Justiça e Segurança Pública na contemporaneidade - 10 horas aula.
7.1 A transição entre o sistema penal vigente para um novo paradigma crítico.
7.2 As penas alternativas: solução ou perpetuação do direito Penal retrógrado?
7.3 Soluções para o sistema penitenciário e seu caráter dessocializador.
7.4 Soluções para a criminalidade e as experiências estrangeiras.
7.5 O direito Penal Mínimo e os efeitos no atual Código Penal.

8. Conclusão – 2 horas aula
8.1 A história do pensamento criminológico e sua importância na atualidade.