sábado, 13 de junho de 2009

POR QUE A CRIMINOLOGIA EXPLICA?








RESUMO

A criminologia é considera uma ciência nova, empírica e bastante controversa, ela tem como objeto o estudo do crime, delinqüência, suas manifestações, causas e consequências, mas no afã de responder todas as indagações e procurar motivos para a criminalidade resta a pergunta simples, porém crucial de por que a criminologia explica? Qual o motivo impulsionador de suas respostas e definições? Este artigo discute estas indagações, vislumbrando além da criminologia a ideologia que a move essa ciência.


1 INTRODUÇÃO

Por que a criminologia explica? Pode parecer uma pergunta quimérica e até mesmo falaz, mas merece cada vez mais ser respondida e principalmente refletida. En passant essa inquirição pode se mostrar despretensiosa, mas não o é. Tal indagação induz a dezenas e variadas respostas, tanto críticas como conceptivas.
Em se tratando de uma resposta baseada no conhecimento da criminologia e sua história, outra não poderia ser a resposta senão de um ponto de vista questionador e principalmente deflagrador, que ponha em cheque, várias das ideologias ligadas aos estudos dos fenômenos da criminalidade.
Para respondermos essa questão, imperioso se faz relembrarmos que a criminologia tem o seu gene ligado ao iluminismo, a revolução burguesa e a concretização moderna da eterna dicotomia pobre versus ricos, entendida aqui como dominados subjugados aos dominantes.
A solidificação do capitalismo, a ascensão da burguesia e a exponenciação da ideologia de lucro e propriedade exigiam sistemas e teorias que garantissem e justificassem as disparidades, exigiam uma explicação que também aplacasse os ânimos.



2 O CONTRATO E O ACALANTO BURGUÊS

Daí vieram os clássicos...
Focando no “Contrato Social”, edificaram a idílica definição de criminoso como aquele sujeito que rompeu com o contrato social. Mas que contrato é esse? Poderia perguntar os premidos camponeses, sem saber que a partir daquele momento seriam cobrados por um contrato edificado à sua revelia e com vistas a esbulhá-los ainda mais.
Não nos olvidemos que muitos dos pensadores atuais atribuem sentido diverso a esse contrato, até mesmo reduzindo a sua importância no âmbito criminológico, mas cabe-nos neste artigo levantar as indagações e impingir a controvérsia. Sendo que ao menos um ponto parece pacífico: a ficção criada por Rousseau (2004) não comporta a todos.
Os clássicos vieram e se instalaram, mas...
Entretanto com o passar de um século os anseios mudaram, ou melhor, se multiplicaram. O capitalismo se difundiu, alastrou-se por completo, a revolução industrial enriqueceu a nova burguesia e trouxe ainda mais poder às classes significantes.
Tal “progresso” trouxe como efeito colateral: a invasão das cidades pela perigosa, mas necessária, massa de proletariados (sim.. neste período eles ainda existiam). Trabalhadores que tinham apenas um direito, o de trabalhar incessantemente para o enriquecimento de seu empregador. No entanto tal peça, totalmente substituível, mas indispensável para a engrenagem industrial, poderiam se rebelar.
A estratificação social, que já era grande, se tornou imensurável, e isso poderia impulsionar a revolta dessas peças “substituíveis” frente à classe burguesa. Como se não bastasse os intelectuais e burgueses viam a situação catastrófica da massa proletariada como uma situação inquietante.
Era necessário, portanto, outra explicação, uma resposta ainda mais justificante que respondesse não só a questão social como também acalentasse os burgueses e abonasse o fosso social
Em meio a esse turbilhão de acontecimentos e mudanças cria-se mais uma ficção o Positivismo, nascido nos seios da Escola Italiana. Tal Escola não teve como mérito ser inovadora, pelo contrário, foi à síntese de várias idéias que permeavam o ideário europeu há séculos.
As pré-históricas definições fisionomistas de Della Porta (1535 - 1615); Gaspar Lavater (1741 – 1801) que defendia o julgamento pela aparência do condenado; Marques de Moscardi e o édito de Valério, “ na dúvida pune-se o mais feio”, somados a cranioscopia de Fran Gall (1758 - 1828), a frenologia de Spurzheim (1776-1832) conjugando aos ensinamentos de Morel (1809 - 1873) deram o ambiente propício e os argumentos necessários para Cesare Lombroso (1835 - 1909) edificar a teoria que a classe dominante esperava da criminologia, a teoria do homem delinqüente.
Tal teoria foi menos criada, e mais sistematizada, por Lombroso, com seu livro “O homem delinquente” finalizado em 1874 e lançado em 1876.
Para o regozijo dos corações burgueses, estava então explicada, de uma vez por todas (pelo menos até então), a razão da seletividade do Direito Penal. Era genético (!!!!!). Portanto não era culpa do sistema capitalista, nem dos modos de produção e distribuição da sociedade.
Amparadas nesta “reconfortante” idéia, tomava formas ainda mais delineadas a Ideologia da Defesa Social (ou do fim), uma sistematização que respondia de maneira clara e incontroversa (lógico que para classe dominante somente) as razões do sistema penal e os motivos do desvio.
A classe dominante não precisava mais se preocupar, não havia relação do sistema capitalista, a estratificação social, as condições subumanas dos proletariados com o comportamento desviante, tudo estava correto, e caso alguma coisa não se adaptasse era “genético”, regenerecência apenas.
Os revoltosos eram há esse tempo degenerados, a criminologia assim edificava e pasmem (!!!!) a criminologia até provava (!!), por meio de crânios, fossetas occipitais, atavismo e outros caracteres típicos.
Seguindo as esteiras de Carvalho (2008) podemos aferir que as décadas se seguiram, e o juízo comum absorveu o discurso ideológico de defesa, e com isso a alteridade que já não contava com força e energia começou um processo gradativo de perda e negação.
A criminologia, portanto, respondia de forma direta e voraz para criminalizar o diferente, o “inferior”, amparada pelos cidadãos abastados que não admitiam (e não admitem) a temporalidade e alteridade do outro. Desconsiderava-se então o indivíduo em prol da universalidade, todos iguais, mas dentro das suas desigualdades.
Lembrando que a criminologia não só elucidava como se travestia de ferramenta para o equilíbrio Social, M. Angelo Vaccaro (2004) chega a focar seus estudos na seara criminológica na origem das leis que protegem os fracos (!!!!!!).
As explicações da criminologia continuavam. A Defesa Social agora posta, passou por décadas de (in) evolução, discussões e aprimoramentos.
Houve a escola de Chicago e sua teoria ecológica, o crime talvez não fosse um defeito genético, mas estaria ligado ao nicho, ao “lócus” criminalizar. Ou seja, o meio era ocasionador, o determinismo continuava embora com indumentárias sociais.
Vieram também as hipóteses sociológicas, onde baseados em Durkheim a criminologia continuava a explicar e os motivos e sistema de idéias eram praticamente os mesmos.
Variações existiram, mas não por coincidência, tais teorias foram reconhecidas e batizadas nas palavras de Shecaira (2004) como “teorias do consenso” e não estaríamos equivocados em entender “consenso”, até mesmo como conivência, como conveniente.
Até então a Ideologia da Defesa Social estava como o Ciclope Polifemo, vencido por Odisseu, ou seja, um monstro com uma fome voraz, insaciável e cego. Contudo em 1940, Sutherland revendo a sua própria teoria de 1929, planta uma indagação que reverbera até os dias hodiernos.
A teoria do “White Collar”, ou colarinho Branco de Sutherland basicamente questionava como as teorias pretéritas lidavam com os crimes cometidos pelas pessoas abastadas. Como explicação insurgia com a Teoria da Associação Diferencial, um avanço em relação às teorias vigentes, no entanto ainda muito distante de uma contraposição da Defesa social,
Nesta esteira teorias como subcultura, anomia, entre outras, trabalharam em terreno similar, mas sempre partindo do princípio (ou poderíamos dizer: falácia) da sociedade tendo por finalidade o funcionamento perfeito das instituições e todos os cidadãos compartilhando interesses comuns.
A criminologia, deste modo, cada vez mais explicava para justificar o quadro de dominação existente. Assim sendo por quase dois séculos a Ideologia da Defesa Social, não só solidificou-se, mas se entranhou nas vísceras da sociedade. A criminologia servia ao seu papel, qual seja: o papel de abonadora e validadora da engrenagem tal como ela se encontrava e ainda se encontra.


3 IDÉIAS INCONVENIENTES

Porém algumas vozes inconvenientes se levantaram para afirmar que a criminologia não poderia explicar nada baseada em um consenso imaginário e fictício. Tendo como pontapé inicial o Interacionismo Simbólico (Labelling Approach) a própria criminologia é questionada, e é estabelecido (ou lembrado) que a sociedade é fundada na força e na coesão, a dominação de muitos sobre poucos.
Tomando emprestado uma definição de Salo de Carvalho (2008), a criminologia sofre então a primeira de várias “feridas narcisísticas”. Percebe-se que a ciência criminal se funda em conceitos pré-determinados (como uma sociedade estruturada e cooperação mútua) inexistentes e não factíveis.
Muda-se o foco, não mais o crime e o criminoso como satisfazia a classe dominante, mas agora o sistema penal como um todo, que de baluarte e aliado incontestável dos detentores dos meios de produção, começa a ser visto como sistema seletivo e cruel.
A doutrina Criminal parece então, querer se livrar da Eleuterofobia que se encontrava afundada, desde seus primórdios e arrisca os primeiros e incertos passos.
Ao invés de degenerescência, a estigmatização, ao invés da prisão ressocializadora, a prisão como sistema eficaz de controle da velha massa proletariada (hoje precariada).
A partir deste fermento de ruptura vieram os críticos, radicais e os abolicionistas, a escola de Bolonha (Baratta, Bricola, Pavarini entre outros) bradando pelo fim das desigualdades, eliminação da exploração econômica e da opressão de classe. Concretizando que o delito é um fenômeno dependente do modo de produção capitalista e exigindo o fim do Direito Penal.
A criminologia se encontrou desfigurada, ferida em seu narcisismo, mas os motivos que a impeliam a explicar o delito (a proteção dos interesses de uma classe, a massificação do medo) continuavam a existir e a clamar por uma resposta a altura.
E as respostas não tardariam a vir. Nas últimas décadas as teorias de Defesa se fortaleceram e voltaram travestidas das mais diversas formas, mas com a mesma voracidade ciclopeana de sempre.
Utilizando-se da proliferação do sentimento de medo e a democratização do terror e do pânico, a indigitada teoria lançou mão de doutrinas tais como: A “tolerância zero” e “janelas quebradas” entre outras e a punibilidade máxima em respostas ao absurdo (para a classe dominante é claro) do Direito Penal Mínimo.
E como arcabouço e garantia da perpetuação do ideário dominante Jackobs lança o seu Direito Penal do Inimigo, tão aplaudido no meio intelectual e inafastadamente absorvido pela jurisprudência de quase todos os países.


CONCLUSÕES (se assim podemos chamar)

Mas por que a criminologia explica? Ela explica por que é imprescindível justificar, por que os detentores dos meios de produção e arrendatários também do Direito Penal necessitam de respostas que abonem e garantam as suas riquezas, suas propriedades e regalias. E principalmente que perpetuem a classe de desprivilegiados em seu papel coadjuvante, desapropriada de todo tipo de benesse.
Portanto a criminologia da repressão (Cirino, 2008 ) não só explica como afiancia, por todos estes motivos ora apresentados. No entanto não seria quimérico lembrar que nos resta a velha (???) criminologia da libertação (Cirino, 2008 ), esta sim, tenta explicar na tentativa de edificação de um mundo mais igualitário e democrático. Uma utopia orientadora, mas que tenho a esperança que se torne uma realidade reformuladora.

REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 254p.

BECCARIA, Cesare de. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Torrieri Guimarães. 11. ed. São Paulo: Hemus, 1995. 126p.

CARVALHO, Salo. Anti-Manual de Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. 228p.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia radical. 3 ed. Curitiba: Lumen Juris,2008. 137p.

LOMBROSO, César. O Homem Delinqüente. Tradução de Maristela Bleggi Tomasini. Porto Alegre: Ed. Ricardo Lenz, 2001.556p.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix, 2004. p.236.


SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. RT. São Paulo, 2004. 384p.