A (IN)EFICÁCIA
DO SISTEMA PRISIONAL - DA DESCULTURALIZAÇÃO A DESSOCIALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO.*
*CAPÍTULO DO LIVRO: UMA VISÃO TRANSDISCIPLINAR DO COTIDIANO (2014)
arte: rubens jr. |
A falência do Direito Penal, já preconizada na obra de Baratta (1999),
atenta não só a classe jurídica como a população em geral, para a necessidade
de mudanças nos sistemas e preceitos penais e de justiça. E o caráter mais
nítido da falência da segurança pública é o sistema prisional, uma vez que é
ele o arcabouço induvidoso das políticas públicas sustentadas pela classe
dominante, onde impera para Loic
Wacquant (2007), a política de punir os pobres.
A história da humanidade segundo Foucault (2004) está repleta de
tentativas de reprimir a criminalidade e legalizar os suplícios, as prisões e
qualquer outro sistema de repressão contra àqueles cidadãos que supostamente
tenham se situado à margem do Contrato Social Rousseaniano.
Nosso país hoje transita entre um
sistema de punibilidade excessiva (Direito Penal Máximo), caracterizado por
leis mais duras como a lei de Crimes
Hediondos e um sistema de abrandamento do sistema penal (Sistema Penal
mínimo) marcado por penas alternativas teóricas e não aplicadas. Tais penas alternativas não parecem representar rupturas
com o modelo retrógrado penal, mas apenas aditivos, aumentando e legitimando ainda
mais o controle formal do Estado.
O Brasil, no campo
criminológico, sofre as influências dos movimentos de “lei e ordem” ou de
“tolerância zero” que se edificam no ideário do homem médio e se levantam como estandarte de toda e qualquer
política pública que almeje coibir o aumento da criminalidade. Como bem
salienta Thompson (2002), tais movimentos e políticas são bem conhecidos em
nosso país, nos acompanham há décadas e até o presente momento não ofereceram
soluções reais para o problema e também nunca representaram a diminuição
efetiva da criminalidade em qualquer dos seus aspectos.
Passeti (2004) ainda assevera que
a sustentação destas políticas de punibilidade máxima tem seus pilares
solidificados em nossa cultura pelo patrocínio das classes dominantes. Entre
esses pilares, cita o desejo de punição dos “criminosos” pela prática do delito
ainda que o ato seja destituído de periculosidade; o pretenso combate a
impunidade pela intimidação, que na verdade só acontece contra a classe
desfavorecida e dominada; o discurso falacioso da neutralização do indivíduo; e
por fim o engodo pós-moderno da ressocialização.
Com vistas aos
fundamentos vislumbrados frente à aplicabilidade e eficácia do sistema
prisional e a eventual dessocialização do indivíduo, faz-se imperioso considerar
e edificar alguns questionamentos acerca da questão carcerária no Brasil.
Portanto, visamos
aqui edificar argumentos que respondam a inquietante indagação: se o sistema
prisional brasileiro (que tem por base a pena privativa de liberdade e o
Direito Penal máximo), corresponde e cumpre a função de ressocializar (!?) e
reinserir(!?) o preso na sociedade, não só como consumidor e produtor, mas também e
principalmente como cidadão.
arte: latuff |
O Brasil padece hoje,
no campo criminológico, dos mesmos males que o resto da América latina. Ou
seja, a insipiente política criminal é voltada apenas para a segurança pública
em uma visão policiesca de todo o sistema de justiça penal. Tal visão
reducionista do problema, blindada contra os pensamentos críticos ao sistema
criminal, levou o Brasil à situação caótica na segurança pública.
O aparato judicial e o sistema
midiático, tal qual conhecemos hoje, tentam encobrir a característica do
sistema prisional SEGREGACIONISTA E SELETIVO que retro-alimenta a violência e causa apenas uma oficial e quimérica sensação de segurança, na verdade o que vislumbra-se é a sustentabilidade de uma ordem que
garanta as benesses das classes abastadas em detrimento das bases da pirâmide
social.
Seguindo nesta esteira, o Sistema
Penal Brasileiro exalta a punição como meio de combate a criminalidade e perpetua
a pena privativa de liberdade como meio mais “eficaz” para essa punição, sob os
auspícios da ressocialização (que nada mais é que uma falacia das classes
dominantes).
As análises
do sistema carcerário brasileiro põem em cheque a ideologia da Defesa Social, o arcabouço de todas as
teorias justificadoras da estratificação social.
A falácia da readaptação
social do condenado fica latente ao verificarmos quais os clientes da
engrenagem penal, quais os alvos da máquina prisional. As histórias da pena e
da prisão deixam claro que os efeitos do encarceramento passam ao largo da
fábula da ressocialização.
Fica latente, pelo
aumento da massa carcerária, pelas rebeliões cada vez mais freqüentes, pelas
conclusões de maus tratos (presentes, por exemplo, na CPI do Sistema Carcerário
realizada no Brasil, nesta primeira década do século XXI), aliadas ao crescente
aumento da criminalidade, que os movimentos de Lei e ordem e Tolerância Zero,
apadrinhados pela classe dominante, em nada contribuíram para a diminuição da
violência e das desigualdes sociais.
A ideologia da Defesa Social associada a esse achatamento
dos direitos Humanos levou ao recrudescimento da violência e a solidificação de
uma sociedade passiva frente a um estado centralizador, violento e ineficaz. E
devido a isso, vemos a violência se amalgamar ao eixo da sociedade de maneira
indissociável. Onde o Estado falha, ao não dar
suporte aos menos favorecidos, não dar condições aos exprobados e ao não socializar os
excluídos, o Direito Penal (travestido no sistema prisional) aparece para
higienizar.
A pena de prisão hoje
não alcança nenhum de seus objetivos, não consegue neutralizar e ressocializar
os menos abastados e estigmatizados como quer a classe dominante e, tampouco traz
a diminuição da violência e qualquer tipo de pacificação social.
A crise instalada é
latente e as soluções, embora dispersas, existem fora da engrenagem carcerária. A mudança deve partir de nossa estrutura político, social e econômica.
Pois no cárcere o indivíduo rompe com a maioria
dos seus laços no mundo exterior, rompe com a família e com amigos e na prisão
tem de se adaptar a uma nova realidade que em muito difere da realidade de um homem livre. Deve-se despir de sua cultura e personalidade em nome da sobrevivência. O
considerado bom preso ou preso com bom comportamento não demonstra que pode
viver em sociedade, pelo contrário, ele demonstra que se adaptou a um meio
totalmente distinto da sociedade livre. O sistema prisional está condenado ao fracasso.
Pode-se concluir, portanto que o sistema prisional brasileiro, que tem por base a pena
privativa de liberdade e o Direito Penal máximo, não cumpre a função de
ressocializar e não reinseri o preso na sociedade nem como consumidor, nem como
produtor (o que almeja o predatório sistema capitalista) e muito menos como cidadão. O que ocorre na verdade é um efeito contrário,
a dessocialização do indivíduo que se torna não apto (ou mais inapto) a vida na
sociedade padronizada no modelo ditado pelas elites.
Portanto, não se
ressocializa, pois seletivamente o Direito Penal já escolhe os indivíduos
alijados da sociedade. Ideologicamente o Direito Penal continua fiel a sua
teoria de defesa social, de segregação de classes, divisão entre o bem e o mal e de estigmatização de
sujeitos. Em uma sociedade desigual e mutável, o direito penal continua
impassível, sem se flexibilizar, tornando-se a cada dia mais centralizador e
nefasto.
Livro: Uma Visão Transdisciplinar do cotidiano |