A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DROGODEPENDENTES
Na presente exposição, temos o
objetivo de delinear o atual cenário das internações involuntárias (em especial
a que se concretiza de maneira compulsória), de drogodependentes na legislação
pátria. A análise recai sob os aspetos técnicos, legais e principalmente
ideológicos do cerceamento de liberdade de determinados usuários.
Tal apreciação põe em relevo a
importante interseção entre a saúde e o Direito e também evidencia como tais
ciências ainda carecem de maior aproximação.
No tocante ao Direito, cabe
diferenciar tais internações e conferir legalidade a todo e qualquer ato que
ponha em risco, a dignidade humana do cidadão. Já a Saúde deve respaldar a
necessidade de possíveis internações, sempre considerando tal postura
terapêutica como medida de exceção.
Assim, diante de toda internação
terapêutica que se dá contra a vontade expressa do paciente, necessita-se
ponderar o direito em sua concepção de controle (referendado por conceitos da
área da saúde) versus os direitos e garantias fundamentais do cidadão. Nos dias
atuais temos nos confrontado com o crescente número de internações compulsórias
ou involuntárias por parte do poder público. Tais procedimentos são
midiatizados e popularizados nos veículos de comunicação, sendo incentivados
por grande parte da população que aprova tal participação violenta do Estado
sobre o corpo e a liberdade sem, no entanto, termos uma abordagem equilibrada e
garantista de tais procedimentos (CORREIA JUNIOR, 2013).
As soluções terapêuticas que
sustentam uma política de privação de liberdade vão de encontro aos princípios
preconizados pelo próprio Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), que
preconiza um tratamento pautado no aumento do grau de liberdade. Assim, fica
claro o paradoxo e a contradição presentes nas políticas de internação involuntária.
Seguindo a mesma esteira o tratamento
deve buscar devolver ao indivíduo sua história, promover a sua autonomia e
liberdade e patrocinar senão a cura, ao menos sua liberdade de escolha,
respeitando seu consentimento (BRASIL, 2004).
Em relação ao consentimento Grove
pondera: “Como parte integrante do direito à saúde. O Consentimento livre e
esclarecido do paciente deve ser garantido, contra a estigmatização ou
discriminação por qualquer motivo” (GROVE, 2009 p. 43).
Neste cenário contraditório,
localiza-se as internações voluntárias e involuntárias em uma precária e frágil
legislação. Pois, no tocante às drogas, nosso ordenamento é omisso sobre as
possibilidades e limitações das internações. De tal modo, o conceito destes
procedimentos terapêuticos somente são afirmados na Lei nº 10.216, de 6 de
abril de 2001 (CORREIA
JUNIOR, VENTURA, 2013).
Neste diploma legal, as internações
voluntárias são aqueles procedimentos onde o paciente anseia pela internação,
e, por sua vez, o médico e os profissionais da saúde a acolhem, e legitimam tal
medida (CORREIA
JUNIOR, VENTURA, 2013).
Já as internações involuntárias são
intervenções nos quais a capacidade volitiva do indivíduo é restringida ou
mesmo anulada, e o procedimento terapêutico é realizado à revelia do seu
consentimento. As involuntárias podem se dar de maneira não compulsória (onde
deve haver o pedido de terceiro, assim como a notificação do Ministério Público
Estadual em 72 horas) e compulsória (onde a presença do juiz é indispensável e
a restrição de liberdade somente acontece depois do devido processo legal e o
respeito ao princípio da legalidade dentre outros).
Vale ressaltar que, peculiarmente,
deve-se apontar a internação compulsória voluntária como uma possibilidade
atual no Brasil, definida como aquela feita pelo judiciário, mas a pedido do
próprio usuário que a margem do sistema de saúde, não consegue vagas para
tratamento voluntário (CORREIA
JUNIOR, VENTURA, 2013).
A RESOLUÇÃO
CFM nº 2.057/2013 consolida a internação compulsória como
aquela que deve ser dada pelo magistrado.
Urge destacar que a diferenciação de
tais recursos terapêuticos se dá com base em uma lei que trata exclusivamente
de transtornos mentais, uma vez que a lei de drogas não regula e não aponta
soluções para o usuário de drogas e seu tratamento.
As internações quando se dão contra a
vontade do paciente devem ser tratadas como medidas de exceção e não podem ser
convalidadas como política pública e estandarte de programas de governo na área
da saúde e principalmente na área de segurança pública.
As internações involuntárias por
períodos longos e o incentivo a abstinência forçada agem como um recurso
instantâneo para a expiação e purificação do usuário. Tais internações são
meros processos de exclusão social de repressão aos usuários, e não ações
pautadas na necessidade e na saúde pública (IZECKSOHN, 2003);
No entanto, embora as internações de
drogodependentes devam ser desestimuladas e repensadas é impreterível afirmar
que no cenário atual a internação compulsória oferece uma saída menos nefasta
que a internação involuntária não-compulsória (concretizada por terceiros e o
profissional da saúde), uma vez, que sendo deferida pelo judiciário, requer
sejam respeitados o contraditório, a ampla defesa do paciente que também deve
ter assegurado sua dignidade humana, assim como todos os demais princípios e
direitos individuais. O verniz legal da internação compulsória a consolida como
uma solução menos invasiva e hostil aos direitos e garantias fundamentais do
que a mera internação involuntária não-compulsória.
Por fim, é essencial lembrar que as
internações involuntárias, quando destituídas de critérios ou afastadas dos
princípios constitucionais acabam por se distanciar da promoção da saúde
pública para se aproximar da tutela de meros corpos aprisionados e sem
perspectiva de evolução e soltura.
Sendo assim, o cuidado integral e a garantia de cidadania ficam
prejudicados frente à necessidade do Estado em afastar uma parcela da população
que não se enquadra à engrenagem capitalista, fazendo dessas internações
ferramentas para a consolidação da ideologia da defesa social (BARATTA, 1999).
Referências:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
SVS/CNDST/AIDS. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a
Usuários de Álcool e Outras Drogas. Ministério da
Saúde. 2ª ed. rev. ampl. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica
do Direito Penal. 2a. ed. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
CORREIA JUNIOR, Rubens; VENTURA, Carla Aparecida Arena. As internações involuntárias de drogodependentes frente à
legislação brasileira – uma análise em relação ao contexto histórico do
tratamento de dependentes e as políticas higienistas e de profilaxia social.
Revista Direitos Fundamentais e Democracia, v. 13, n. 13. p. 250-280,
2013. [full text].
CORREIA JUNIOR, Rubens. O Poder Público Frente às
Internações Involuntárias – Uma Análise em Relação à Institucionalização da
Segregação e a Profilaxia Social. In: Gustavo Calçado e José
Humberto Ramos. (Org.). Gestão Pública e suas implicações no século XXI.
1ed.Uberaba: W/S Editora e GRáfica, 2013, v. 1, p. 277-299.
GROVER Anand. (Relator Especial da ONU sobre o direito ao mais alto
nível possível de saúde). Report of the Special
Rapporteur on the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable
standard of physical and mental health (2009). A/64/272, p 43.
IZECKSOHN, S. O tratamento como ritual de
cura. In: BAPTISTA, M. et al. (Org.). Drogas e pós modernidade:
faces de um tema proscrito. Rio de Janeiro: UERJ, 2003..