FILMES E SÉRIES - DICA
CRIMINOLÓGICA DA SEMANA - SYLVESTER STALLONE – PARTE I
Ao pensarmos em
indicar filmes e séries, seria mais cômodo optarmos por grandes clássicos de
consagrados diretores. No entanto, a criminologia deve ser popularizada, deve
ser subversiva e não um instrumento ou ferramenta que apenas alguns
intelectuais esclarecidos têm o monopólio de sua discussão ou reflexão.
Se a criminologia não
é popular, acessível e descomplicada ela na verdade se torna apenas mais um instrumento
a serviço da elitização dos saberes. O monopólio entre poucos profissionais e
principalmente a dificuldade da comunicação de massa são entraves para que a
criminologia se popularize e se torne um instrumento democrático.
A criminologia deve
ser do cotidiano!
Neste sentido hoje
analisamos um ator emblemático da década de 1980 que se popularizou fazendo
filmes com diálogos por vezes vazios é verdade, mas sempre retratando como
ninguém o discurso político ideológico dominante.
STALLONE COBRA
(1986 - dir. Pan Cosmatos)
O tenente Marion "Cobra" Cobretti está no
centro de uma série de assassinatos cometidos por uma sociedade secreta chamada
Nova Ordem, em que os assassinos escolhem os membros mais fracos da sociedade
para o extermínio. Com o número de homicídios aumentando, Cobra mantém a modelo
Ingrid em custódia depois que ela testemunha contra o líder da Nova Ordem.
Cobra se apaixona por Ingrid e eles encontram abrigo em uma pequena cidade, mas
logo precisam lutar pela sobrevivência.
Este filme é um
material essencial para se entender o discurso de ódio que hoje se populariza, o discurso que legitima a violência do Estado e principalmente que
fomenta um dos maiores princípios da defesa social: BEM X MAL.
O filme parte da
total estigmatização do criminoso e a exaltação da violência do agente de
polícia que representa a sociedade “de bem”.
Até porque os
criminosos na película são desenvolvidos de maneira superficial e pobre. São
unicamente maus e não apresentam nenhuma variação de caráter e tampouco
demonstram a complexidade existente em personalidade. Enfim, são a
representação do mal caricato e até burlesco.
A motivação para os
antagonistas são a simples destruição da vida de terceiros, sem nenhuma causa
aparente, enquanto o protagonista, além de ser movido por ideais altruístas para
com a sociedade ainda se apaixona por uma vítima em potencial.
O pensamento binário de
pessoas boas x pessoas más fica claro em frases como:
“Você é um cretino [...] você é um cocô e eu vou matar você” (frase dita em uma negociação com reféns).
“Você é uma doença e eu sou a cura” (frase dita a um criminoso).
“ A gente prende e ele solta” (em referência aos juízes).
“Com louco eu não negocio, eu mato” (em diálogo com um criminoso).
O maniqueísmo fica
claro em cada segundo da película (na verdade o agente Cobretti se esquece de
que ele desobedece todo e qualquer regramento ou lei em relação às suas ações
violentas).
Mas isso é
irrelevante para o grande público. Pois, a desumanização total dos antagonistas
faz com que nossas pulsões violentas sejam satisfeitas por todo ato brutal e
sádico que o protagonista efetue.
É interessante também
perceber que todos os vilões do filme são moldados a partir de uma infantil
interpretação do CRIMINOSO NATO de Lombroso. Inclusive fisicamente eles se
assemelham ao biótipo traçado pelo psiquiatra italiano ainda no século XIX.
Mas a razão de citarmos este filme em nossa galeria reside ao fato de que são incontáveis
clichês que ajudam o telespectador entender toda a dinâmica de pensamento
social em relação à segurança pública atual. Embora o filme seja uma obra de 1986, os
diálogos proferidos pelo protagonista parecem ter saído do nosso noticiário das
dezoito horas de ontem.
A obra de Pan
Cosmatos é o exato retrato de uma sociedade extremamente violenta que enxerga
na brutalização da segurança pública a melhor e mais efetiva resposta para
todos os problemas e ainda culpam a lei e o Estado Democrático de Direito pela desestruturação
social.
O filme ainda deixa o
telespectador com um confortante sentimento de não responsabilização pelo
quadro de violência que a sociedade retratada demonstra. Ao fomentar a
demonização de determinados indivíduos o filme deixa claro que a sociedade não
tem participação no caos que vivenciamos.
É inegável que os
vilões do filme (moldados de maneira unilateral) são sociopatas perigosos, mas
isso não quer dizer que o herói (também moldado de forma unilateral) também não
seja.