segunda-feira, 20 de novembro de 2017

FILMES E SÉRIES - DICA CRIMINOLÓGICA DA SEMANA - SYLVESTER STALLONE – PARTE I

Ao pensarmos em indicar filmes e séries, seria mais cômodo optarmos por grandes clássicos de consagrados diretores. No entanto, a criminologia deve ser popularizada, deve ser subversiva e não um instrumento ou ferramenta que apenas alguns intelectuais esclarecidos têm o monopólio de sua discussão ou reflexão.
Se a criminologia não é popular, acessível e descomplicada ela na verdade se torna apenas mais um instrumento a serviço da elitização dos saberes. O monopólio entre poucos profissionais e principalmente a dificuldade da comunicação de massa são entraves para que a criminologia se popularize e se torne um instrumento democrático.
A criminologia deve ser do cotidiano!
Neste sentido hoje analisamos um ator emblemático da década de 1980 que se popularizou fazendo filmes com diálogos por vezes vazios é verdade, mas sempre retratando como ninguém o discurso político ideológico dominante.

STALLONE COBRA 
(1986 - dir. Pan Cosmatos)


O tenente Marion "Cobra" Cobretti está no centro de uma série de assassinatos cometidos por uma sociedade secreta chamada Nova Ordem, em que os assassinos escolhem os membros mais fracos da sociedade para o extermínio. Com o número de homicídios aumentando, Cobra mantém a modelo Ingrid em custódia depois que ela testemunha contra o líder da Nova Ordem. Cobra se apaixona por Ingrid e eles encontram abrigo em uma pequena cidade, mas logo precisam lutar pela sobrevivência.


Este filme é um material essencial para se entender o discurso de ódio que hoje se populariza, o discurso que legitima a violência do Estado e principalmente que fomenta um dos maiores princípios da defesa social: BEM X MAL.
O filme parte da total estigmatização do criminoso e a exaltação da violência do agente de polícia que representa a sociedade “de bem”.
Até porque os criminosos na película são desenvolvidos de maneira superficial e pobre. São unicamente maus e não apresentam nenhuma variação de caráter e tampouco demonstram a complexidade existente em personalidade. Enfim, são a representação do mal caricato e até burlesco.


A motivação para os antagonistas são a simples destruição da vida de terceiros, sem nenhuma causa aparente, enquanto o protagonista, além de ser movido por ideais altruístas para com a sociedade ainda se apaixona por uma vítima em potencial.
O pensamento binário de pessoas boas x pessoas más fica claro em frases como:

“Você é um cretino [...] você é um cocô e eu vou matar você” (frase dita em uma negociação com reféns).

“Você é uma doença e eu sou a cura” (frase dita a um criminoso).

“ A gente prende e ele solta” (em referência aos juízes).

“Com louco eu não negocio, eu mato” (em diálogo com um criminoso).


O maniqueísmo fica claro em cada segundo da película (na verdade o agente Cobretti se esquece de que ele desobedece todo e qualquer regramento ou lei em relação às suas ações violentas).
Mas isso é irrelevante para o grande público. Pois, a desumanização total dos antagonistas faz com que nossas pulsões violentas sejam satisfeitas por todo ato brutal e sádico que o protagonista efetue.
É interessante também perceber que todos os vilões do filme são moldados a partir de uma infantil interpretação do CRIMINOSO NATO de Lombroso. Inclusive fisicamente eles se assemelham ao biótipo traçado pelo psiquiatra italiano ainda no século XIX.


Mas a razão de citarmos este filme em nossa galeria reside ao fato de que são incontáveis clichês que ajudam o telespectador entender toda a dinâmica de pensamento social em relação à segurança pública atual. Embora o filme seja uma obra de 1986, os diálogos proferidos pelo protagonista parecem ter saído do nosso noticiário das dezoito horas de ontem.


A obra de Pan Cosmatos é o exato retrato de uma sociedade extremamente violenta que enxerga na brutalização da segurança pública a melhor e mais efetiva resposta para todos os problemas e ainda culpam a lei e o Estado Democrático de Direito pela desestruturação social.
O filme ainda deixa o telespectador com um confortante sentimento de não responsabilização pelo quadro de violência que a sociedade retratada demonstra. Ao fomentar a demonização de determinados indivíduos o filme deixa claro que a sociedade não tem participação no caos que vivenciamos.

É inegável que os vilões do filme (moldados de maneira unilateral) são sociopatas perigosos, mas isso não quer dizer que o herói (também moldado de forma unilateral) também não seja.