O EFEITO LÚCIFER E SUAS CRÍTICAS
O EXPERIMENTO
Caso você ainda não saiba sobre o que é o efeito lúcifer:
O pesquisador Zimbardo descreve seu experimento da seguinte maneira:
TED - Zimbardo: Efeito Lúcifer e como as pessoas boas se tornam más. PARTE I
TED - Zimbardo: Efeito Lúcifer e como as pessoas boas se tornam más. PARTE II
AS CRÍTICAS
A partir de 2018 o experimento Lúcifer começou a ser questionado, principalmente, pelo blogueiro Ben Blum que partiu de declarações de participantes do evento e também de gravações da experiência para recriminar as metodologias praticadas à época. Juntamente com estas críticas ainda em 2018 o economista Le Texier (2018) também apresentou sérias censuras à pesquisa do psicólogo Zimbardo. ver o blog de BEN BLUM aqui
Uma das principais afirmações destes
pesquisadores reside no fato que os carcereiros não agiram de maneira espontânea,
mas sim foram orientados a serem violentos. Ainda dentre as acusações, apontam
que os carcereiros se reuniram antes com Zimbardo e receberam uma lista de
condutas (o que desconfiguraria o experimento), parte delas retiradas de um estudo
análogo feito meses antes pelo auxiliar de Zimbardo, David Jaffe.
Tais orientações consistiam em uma rotina de
humilhações, e os policiais que não estivessem sendo suficientemente duros eram
aconselhados a intensificar sua conduta. Blum defende que este comportamento
influenciou de maneira demasiada às ações dos guardas.
Le Texier (2018) vai além e afirma que o
experimento foi uma farsa. Além disso, assegura que o efeito lúcifer carece de
cientificidade, pois não houve revisão de pares, tampouco a descrição dos
materiais e métodos utilizados no experimento de maneira consolidada pela
ciência. Ou seja, o autor coloca em
dúvida os parâmetros epistemológicos da pesquisa, assinalando que outros
autores já haviam deixado claro (antes de Zimbardo) que o ambiente prisional
seria complexo e a relação entre prisioneiros e guardas era no mínimo ambígua e
marcada pela informalidade (LE TEXIER, 2018).
Ambas as afirmações foram baseadas
principalmente no depoimento de David Eshleman, um dos voluntários que assumiu
o papel de carcereiro no estudo de Zimbardo. Este sujeito, aliás, confidenciou
que sempre esteve ciente que era um experimento. Le Texier não encontrou nos
documentos de Philip Zimbardo bases consistentes que comprovassem que os atos
dos carcereiros fossem acentuadamente opostos ao comportamento dos presos (LE
TEXIER, 2018).
Uma das acusações mais impactantes de Blum
diz respeito ao icônico prisioneiro 8612:
Doug Korpi. Este afirma que fingiu todo o seu colapso emocional. Devemos,
neste ponto, lembrar que Blum se esqueceu de falar que Korpi vem mudando
costumeiramente suas versões a respeito do experimento ao longo dos anos.
Blum acrescenta ainda que nenhuma pesquisa
posterior conseguiu comprovar as afirmações de Zimbardo (citando inclusive um
experimento feito para a TV). Neste aspecto devemos lembrar que é inegável que
os parâmetros científicos da atualidade inibem que o experimento original (feito
ainda nos anos de 1970) seja efetivamente repetido em todos seus pontos.
Entretanto Blum não citou uma pesquisa australiana
que se inspirou em grande parte na experiência prisional de Stanford, chegando
a conclusões muito próximas ao experimento original. Inclusive relativa à
violência perpetrada pelos guardas. (LOVIBOND, MITHIRAN, ADAMS, 1979)[1].
Blum ainda critica a participação de Zimbardo
junto ao Congresso americano e questiona às conclusões a que chegou o
pesquisador relativas à falência do sistema prisional. O blogueiro deixa claro
que o discurso agradou alguns políticos liberais americanos. Mas não citou que
em outros locais pelo mundo experimentos como o efeito lúcifer auxiliaram a
criar ambientes menos hostis para os presos e também aos guardas.
Aliás, a crítica às prisões nunca foi
exclusividade de Zimbardo, pelo contrário, através dos séculos os criminólogos
denunciam as mazelas de tal sistema. Não há como não considerar outros estudos bem
mais impactantes como Goffman (2005) relativos às instituições totais e
Foucault (1984) frente à dicotomia vigiar e punir.
Em outro ponto, Blum acerta ao levantar a
questão racial frente ao experimento de Stanford. Uma vez que em nenhum momento
a tensão racial foi devidamente tratada pelos pesquisadores.
Zimbardo se manifestou publicamente sobre
cada uma das críticas recebidas e apresentou uma série de argumentos visando
desconstruir principalmente as afirmações de Blum. Entre os argumentos do
pesquisador de Stanford os que mais se destacam são sua afirmação que houve
realmente um pedido para que alguns guardas fossem mais duros, uma vez que não
estavam levando o experimento a sério.
Neste sentido Zimbardo (2018, p. 1)afirma:
Apesar do pedido feito
por David Jaffee, nenhum dos guardas se comportou de maneira dominante durante os
dois primeiros turnos. O que fez a diferença foi que no segundo dia os
prisioneiros se rebelaram a partir de confrontos verbais e físicos desafiando
os guardas. Depois que os guardas acabaram com essa rebelião, um deles declarou
que os prisioneiros eram "perigosos" e, com essa nova visão da
situação, vários guardas se tornaram muito mais duros em suas ações.
O pesquisador de Stanford ainda é categórico
ao afirmar que sempre houve diferenças significativas na conduta dos guardas da
prisão e que tal fato comprova que os sujeitos que agiram com maior violência o
fizeram por conta própria.
Sobre o carcereiro Ashleman a afirmação é que
o próprio já havia afirmado, em outras ocasiões, que representava um papel o
que, definitivamente, não apaga todas as humilhações que este seu personagem
fez os presos passarem.
Zimbardo (2018. p. 1) resume:
Nesta resposta aos meus
críticos, afirmo que nenhuma dessas críticas apresenta qualquer evidência
substancial que altere a principal conclusão do Experimento Efeito Lúcifer
sobre a importância de entender como as forças sistêmicas e situacionais podem
operar para influenciar o comportamento individual em direções negativas ou
positivas, muitas vezes sem a nossa consciência pessoal.
Na verdade podemos afirmar que o experimento
de Zimbardo é controverso e criticado principalmente pela sua condução
equivocada. Mas, um dos principais alvos que merecem crítica são suas
conclusões pessoais e por vezes duvidosas dos acontecimentos em Stanford.
No entanto, as críticas atuais não
inviabilizam grande parte das pesquisas do psicólogo de Stanford. Apenas deixam
claro que o efeito lúcifer deve ser refletido em conjunto com outros experimentos
como a Onda, Milgram, questões filosóficas como a Banalidade do Mal, questões
práticas como a prisão de Abu Ghraib e outros estudos que analisam como o
comportamento humano está sujeito a uma gama de fatores e causas para a sua
exteriorização.
Não se pode interpretar o efeito lúcifer sem
limitá-lo e localizá-lo. Portanto, o poder, a hierarquia não serão capazes de
corromper todos os indivíduos sujeitos as mesmas condições. Aliás, outros
pesquisadores (como Milgram ou Fried) já haviam sedimentado o juízo que os
fatores externos vão condicionar grande parte do grupo, mas não sua totalidade
e de formas diferentes.
O problema é que ninguém de nós pode afirmar
(de antemão) que não faz parte do grupo que adere a violência, até sermos
colocados nas chamadas “condições extremas”. Ademais, tampouco sabemos qual é
nosso limite frente a essas condições. Assim, parece que (quase) todos nós
temos um limite, apenas não conhecemos qual. O comportamento é complexo e
exatamente devido a isso não devemos esquecer que todo e qualquer indivíduo
pode tomar atitudes e condutas violentas[2].
TRAILER de uma das produções que tentam descrever o experimento.
TRAILER de uma das produções que tentam descrever o experimento.
ALTHAUS, Virginie. Thibault Le Texier, Histoire
d’un mensonge. Enquête sur l’expérience de Stanford. Lectures,
2018.
FOUCAULT,
Michael. Vigiar e punir: história de
violência nas prisões. Tradução de Ligia Ponde Vassalo. 3. ed. Petrópolis:
Vozes, 1984.
GLASER,
Daniel. Criminality theories and behavioral images. American Journal of
Sociology, v. 61, n. 5, p. 433-444, 1956.
HELLIWELL, John F. Institutions as enablers of wellbeing: The Singapore
prison case study. International Journal of Wellbeing, v. 1, n. 2,
2011.
LE TEXIER,
Thibault. Histoire d'un mensonge: enquête sur l'expérience de Stanford.
Zones, 2018
LOVIBOND, S.
H.; X.
MITHIRAN; ADAMS, W. G. The effects
of three experimental prison environments on the behaviour of non‐convict volunteer subjects. Australian
Psychologist, v. 14, n. 3, p. 273-287, 1979.
. Making a Virtue of Evil: A
Five‐Step Social Identity Model of the Development
of Collective Hate, Social
and Personality Psychology Compass, 2, 3, p. 1313-1344, 2008.
[1][1]
Importante destacar que o
experimento de Lovibond acabou por servir para melhorar e otimizar o sistema
carcerário de Singapura (HELLIWELL, 2011).
[2]
Para que o leitor tire suas
próprias conclusões indicamos ler o blog de Blum: https://medium.com/s/trustissues/the-lifespan-of-a-lie-d869212b1f62. E a devida resposta de Zimbardo em:
http://www.prisonexp.org/response/.